segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Song 1

For ten thousand streets of treachery
My arrogance did tread
With the scorn of unfazed reason
No words ever left unsaid

What I knew was all to know
And what I saw was all to see
Biting hard and chewing faster
The green fruits of my frail tree

Raised my towers to the heavens
Had it all and wanted more
Wealth and fame and accolades
With no need to ask what for

Dead all deities of my pantheon
I could reign bold and supreme
Subjected to my strong yoke
All things flowing to my stream

But the clock I pledged allegiance
Soon would move its hands too fast
And the more in my possession
Like I could never have had less

The mouth fed with countless treasures
Gaping wide asking for more
Lost the shelter of my stronghold
My ships sunked far from the shore

On my lips my words of certainty
Would fall dead before its sound
And too loud I yelled my anger
While all towers crumbled down

And I saw with tearfilled eyes
My vain glory swept away
All my streets gone to a dead end
All my colors dimmed to gray

I had become death
And in the darkest core of my diseased soul
Ineffable found good soil
For a new tree

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

momento

No momento, sou a soma de todas as minhas possibilidades.
Logo, nada sou e quase tudo posso ser.

Terei sido outra coisa?

Seremos nós algo além do que enxergam em nós?
Neste caso, e se o que enxergam não é o que somos?

Onde existimos?

Talvez sejamos não mais do que outros percebem em nós
Quando nada pretendemos ser.

Defesa Pública da Alegria: o que mudou

[caption id="attachment_593" align="alignleft" width="300"]Foto: Ramiro Furquim/Sul21 Foto: Ramiro Furquim/Sul21[/caption]

Eu estava cansado. Tinha trabalhado bastante, e ainda cabia a mim a nada emocionante tarefa de registrar o último debate dos candidatos à prefeitura de Porto Alegre. Em casa, ouvia os intermináveis discursos sobre coisa alguma, o teatro que tenta substituir o conteúdo político pela repetição eterna de cacoetes e maneirismos. Havia estado no Defesa Pública da Alegria cerca de duas horas antes: um ambiente muito mais interessante, muito mais vivo e bem mais político, no sentido de política que hoje tantos parecem ter esquecido. Confesso, no entanto, que naquele momento não desejava retornar; estava cansado. Queria apenas deitar a cabeça no travesseiro e dormir.

É claro que não pude dormir. Não recordo mais quem mandou a primeira mensagem de celular: perguntava se eu sabia do que tinha acabado de acontecer no Largo Glênio Peres. Em instantes, comecei a receber telefonemas e mensagens nas redes sociais: manifestantes estavam feridos, outros presos, o ridículo Tatu-Bola de plástico estava no chão. No chão, como brinquei algumas vezes durante o curto período em que lá estive: um boneco sorridente de deboche, símbolo de uma cidade renunciante de si mesma, derrubado em meio a um absurdo de gritos e golpes de cassetete. Era para ser uma celebração animada, ainda que evidentemente desafiadora, da Porto Alegre que se recusava a deixar de ser; virou uma batalha campal.

Foi a cobertura mais emergencial do Sul21 até então. Fiquei como central de informações, fazendo e recebendo telefonemas, organizando relatos, coordenando a equipe que estava na rua. Só tive a chance de tentar inutilmente dormir quando eram quase seis horas da manhã. A cobertura do acontecimento, de certa forma, continua até hoje. Simplesmente porque as coisas seguem acontecendo, talvez até mais do que naquele dia, certamente mais do que antes dele.

Tudo já existia antes do Defesa Pública da Alegria. Mas, ao mesmo tempo, tudo nasceu naquela noite.

Eram vários grupos. Diferentes princípios, ideologias e ideais, unidos vagamente por um ânimo comum: a insatisfação com o mundo de agora, a expectativa de algo diferente. Seguem sendo vários grupos - seria excessivamente otimista e romântico afirmar que, desde o Tatu-Bola, tornaram-se um só. Mas algo mudou. Agora, são conscientes uns dos outros. Não são irmãos apenas na oposição a um poder absurdo governado por interesses que não são os seus e não são os de quase ninguém: são também vítimas de uma repressão comum. Estão unidos no ultraje, tiveram todos o mesmo batismo de fogo. Mesmo diferentes em muito ou em quase tudo, agora se conhecem. E serão leais uns aos outros. Estarão unidos sempre que necessário, sempre que o poder constituído surgir tentando esmagá-los ou consumir sua vontade. Não temem o confronto: já sobreviveram a ele uma vez. Ainda não sabem o que são, mas sabem quem é junto com eles.

A truculência policial deixou as periferias e veio até o centro da cidade. Arrogante de si própria, bateu por hábito, por ser não o modo mais fácil de lidar com uma situação, muito menos o mais eficiente, mas por ser o mais prazeroso. Deliciou-se e delicia-se com o uso da persuasão brutal. Mas agora não são os filhos à margem que voltam espancados para a casa dos pais: são os filhos da classe média, os estudantes, os jovens profissionais de ensino, os artistas. Os que antes liam as manchetes, enxergavam além delas talvez, mas não as sentiam. Eram testemunhas, mas nunca ou quase nunca tinham sido atores. São os filhos de quem compra jornal, de quem assiste TV ao meio-dia, de quem ouve rádio no caminho para o trabalho. Agora, a proteção do patrimônio público não funciona mais como desculpa no que se refere a um número crescente de pessoas. O que antes era certeza cristalina começa a rachar, a desfazer-se em grãos de areia ao contato com a dúvida.

Talvez seja ousadia, mas então ouso dizer que o Defesa Pública da Alegria foi, em outubro, o começo de junho. Que os protestos contra o aumento das passagens de ônibus em Porto Alegre seriam inviáveis sem o dia 4 de outubro de 2012. E sem esses protestos em Porto Alegre, como sabemos, talvez o Brasil inteiro protestando fosse igualmente inviável. Nada mudou, dizem os que enxergam no fato nada além do fato em si. Todos foram à rua e o Congresso segue o mesmo, as corporações estão intactas, ninguém mais lembra do que queria, dos gritos e da mobilização. Apanharam em nome de um boneco de plástico e a Copa continua aí, o governo segue o mesmo, derrubaram árvores, invadiram lugares, prenderam pessoas. Nada mudou, insistem. E, admito, não deixam de ter razão.

Nada mudou. Mas tudo está diferente. Foi um ano todo diferente, em Porto Alegre. É uma realidade em gestação, uma Porto Alegre que, no momento em que mais brutalmente foi negada, curiosamente passou a ser cada vez mais possível. Cada mais mais palpável. Próxima. Real.

Antes, as ruas eram cinzas de cansaço. De desesperança. E cinza continuam, não podemos negar essa verdade. Mas tem mais cor nas esquinas, mais brilho nos olhos, mais gente nas ruas. Eu observo e posso afirmar: é uma cidade que acorda. Que volta a gostar de si mesma. Aos poucos. Uma cidade que eu nem imagino o que vai acabar sendo, se é que vai acabar sendo alguma coisa, mas que quer ser algo diferente e pelo menos um pouco melhor do que tem sido. E que não sabe bem o caminho, mas vai andando, porque já cansou de ficar parada no mesmo lugar.

Nada mudou. Mas tudo está em mudança. E a mudança não se importa com a agenda de ninguém, com a pressa ou atraso de quem quer que seja: ela muda, simplesmente. Eu, por exemplo: não mudei em quase nada, mas ao mesmo tempo mudei em quase tudo. Hoje, sou outra pessoa - simplesmente porque agora quero ser outra pessoa. Antes, eu talvez não quisesse. E é toda essa a beleza e a poesia da mudança: antes de ser fato, ela precisa ser intenção. É esse o grande legado daquela noite absurda onde a BM protegeu de forma truculenta um boneco de plástico da Coca-Cola: as coisas, agora, querem mudar. E querendo mudar, elas mudam. Um pouco de cada vez, devagar talvez, mas sempre.