Foto: Girish Gaikwad |
Estou desaparecendo. Morrendo, se preferem. Um pouco de cada vez, às vezes mais do que o normal, mas sempre. Sinto a vida escorrendo de mim tal líquido de um vaso rachado - escapando pelas rachaduras, formando uma poça imperceptível, que chapinha silenciosamente a cada passo que dou. Estou morrendo. Logo não restará de mim senão a sombra, o calor do assento de onde me ergui; depois nem isso. Vou morrer e nada vai restar. Nada.
Quem lembrará do que nunca foi, quando eu for embora? Quem vai lamentar os caminhos jamais trilhados, quem vai sorrir ao lembrar do amores que tive e viveram eternos dentro de mim? Quem saberá de tudo que sei e nunca disse, das dores que só me permiti chorar sozinho, na madrugada, com as portas trancadas e as mãos cobrindo o rosto, para que nem os fantasmas pudessem me ver chorar? Quem sentirá as minhas saudades? Pois respondo: ninguém. Vai tudo acabar junto comigo. Sumir no espaço como um sorriso que ninguém viu.
Estou morrendo. Um pouquinho a cada dia. E já sinto saudades da vida.
Que coisa terrível, não? Sentir saudade da vida antes mesmo de morrer. É estar morto estando vivo, ou seja, um erro daqueles. Mas me consome. Não consigo fugir. Olho para as coisas como quem se despede, o tempo todo. Ando na rua dando um adeus a cada passo. Adeus, adeus. Já estou quase no fim: logo será a última vez. Adeus.
Às vezes, sinto que as coisas se despedem de mim. No mais das vezes, porém, elas apenas me contemplam em muda neutralidade, sem nenhum gesto de piedade, de compaixão. E por que deveriam apiedar-se de mim? O mundo está tão farto de morte! O meu partir nada tem de extraordinário, a não ser para mim. Meu mundo acabará comigo, isso é certo - mas tantos outros restarão! As coisas não se importam comigo, porque nada significo: o que importa é que haja vida, que persista o movimento, o fluxo do existir. Até que ele mesmo se acabe, sem que o universo derrame uma lágrima sequer. Simplesmente porque é assim que tudo é e deve ser. Porque é da natureza das coisas chegarem ao Fim.
Mesmo assim, sofro. Não quero morrer. Tenho medo. Olho para as coisas com a súplica de um suicida: digam-me para ficar, eu imploro. Digam que não preciso morrer. QUe minha vida importa. Eu não quero morrer; não deixem que eu morra, que eu mate a mim mesmo de forma tão terrível, um pouco a cada dia, às vezes um pouco mais, mas sempre.
Não há resposta, é claro. O que não quer dizer que o mundo me quer morto: apenas não é do feitio dele implorar pela vida de quem quer que seja.
Morrerei logo, de qualquer modo. Faltam poucas palavras; logo o livro estará pronto. E desaparecerei para sempre, sumirei na luz difusa, no brilho invisível que ilumina as trevas.