Foto: hmerinomx / Flickr |
É um longo abraço. Com ânsia, urgência. Deve ter ficado surpresa: não é do meu feitio. Chega a fazer um tênue esforço para desvencilhar-se, mas a seguro firme um pouco mais e ela não mais resiste. Pelo contrário: percebo claramente que relaxa, surpresa talvez, mas agora em paz.
"O que houve?", pergunta ela quando finalmente nos separamos. Percebo que tenta soar o mais delicada possível.
"Eu senti frio", respondo simplesmente. Como ela nada diz, acrescento: "Não sei explicar. Senti muito frio. É isso. Aqui dentro, sabe?"
Acho que ela está realmente preocupada comigo.
Como dizer a ela?, uma parte da minha mente insiste em perguntar. Como é se diz uma coisa dessas a quem quer que seja?
Não se diz, respondo a mim mesmo. Não é possível dizer. A palavra tem limites: em certas circunstâncias, ela é uma prisão. Uma árvore não é uma árvore, por exemplo - ela é uma coisa incrível, um elemento mágico e único e lindamente indecifrável que nós, em nossa necessidade permanente de impor a escravidão, tentamos aprisionar em um punhado de fonemas precários, conter e controlar dentro de uma abominável palavra. Árvore. Árvore não é nada, é apenas um som estúpido, um atentando contra o silêncio e a compreensão. Aquilo que se ergue do outro lado da janela é muito maior, muito mais extraordinário e encantador e irrepetível do que a palavra árvore pode sequer começar a evocar. Árvore é raiz: a verdade daquilo que está do outro lado da janela é algo que aponta para o céu.
Não posso dizer nada a ela. O que carrego em mim não cabe em linguagem: explode em sentidos desconhecidos, transborda ao infinito, está em tudo e está além.
Será breve, mas é belíssimo.
"Não quer me falar?", ela insiste com suavidade. Com amor. Me ama. Muito. Ama a mim. Sequer me conhece - porque estive sempre escondido aqui, do lado de dentro. Esses anos todos. Nunca a deixei aproximar-se. E ainda assim me ama com toda a força de seu amar. A mim. Eu o sinto. E o que sinto me atinge com a força do universo inteiro.
Eu a amo de volta. O universo todo é testemunha. O universo todo só existe porque a amo, é do meu amor por ela que surge a matéria e o espaço. Nada existiu antes, nada pode existir além, porque meu amor por ela é o próprio tempo. O amor que por ela sinto é o farol que ilumina a eternidade.
E ainda assim nada posso dizer a ela. Porque não pode ser dito. Não pode.
Não pode.
"Não posso", acabo deixando escapar. Temo feri-la: um medo imediato, irracional e puro de amor. Então complemento. "Não pense mal de mim por isso. Por favor."
"Não penso", ela responde, imediatamente.
A tarde começa a rachar em pedaços. O céu agora é vermelho, um vermelho quase violáceo, uma cor que os olhos humanos não compreendem e, por não compreenderem, fingem que é vermelho, quase violeta. Vermelho como a vida que nasce e nasce de novo. Um vermelho terrível, inexorável. É vermelho, é belo, e logo nos esmagará.
Faz tanto frio, meu deus. Tanto frio.
Sem nada dizer, ela vem a mim e abraça-me de novo.
Sobre nós o vermelho começa a desabar. Vem vagaroso, silencioso. Vermelho quase violeta: a cor do fim do mundo, talvez. Engole tudo, muito devagar. Muito devagar. E ainda assim é quase imediato.
Fecho os olhos. Sinto o corpo dela junto ao meu: é a sensação que levarei comigo para o mundo que virá.
Estou salvo.