Foto: Laineema/Flickr |
A dificuldade de projetar-se no outro jamais deixa de me assustar. As pessoas só são capazes de dizer “tem mais é que matar” com tanta naturalidade porque não percebem como isso banaliza TODAS as vidas — inclusive as das pessoas que amam, inclusive as suas próprias. Os critérios para determinar qual vida tem valor e quais não têm são sempre subjetivos e, portanto, sujeitos a permanente expansão e redefinição. O resultado, claro, é que todas as vidas passam coletivamente a valer cada vez menos. A sua vida, tão importante e sagrada, torna-se profundamente banal para milhares de outras pessoas, do mesmo modo que a vida de muita gente é absolutamente banal e desimportante para você. Porque você, ser humano: você não é especial. Em absolutamente nada. Sua vida morre do mesmo jeito que a vida de todos os outros, sente a bala do revólver e a barra de ferro e a lâmina da faca tanto quanto as outras, e está tão sujeita ao julgamento subjetivo do próximo quanto qualquer outra. Se “tem mais é que matar”, prepare-se para ser o próximo a morrer, a qualquer momento. Porque os seus critérios não são os dos outros, e em um mundo onde vidas pouco valem a sobrevivência torna-se uma questão de estar ou não na alça de mira.
E mais. O desprezo pela vida alheia é o desprezo pelo próprio viver. Porque o apego à fragilidade do próprio existir é tamanho, tão desesperado, que admite a morte de tudo que o cerca, desde que as poucas vidas que escolheu como valiosas possam permanecer. É uma paixão por um seleto grupo de vidas, não pela vida enquanto valor fundamental, enquanto lógica e sentido do existir. E que poderá ensinar sobre a vida alguém que só enxerga o próprio viver, que deseja morte à vida do mundo inteiro se preciso, apenas para que sua fagulha arda um pouquinho mais? Não há qualquer amor à vida em uma existência como essa: há apenas medo. Quem fala que “tem mais é que matar” é porque, de um modo ou de outro, detesta estar vivo.