Entre muitas coisas, a pandemia me sequestrou a palavra. Não que eu estivesse transbordando de escrita ultimamente, ao contrário: já há bastante tempo que as histórias andam teimosas, empacadas no limite da minha imaginação, vivas o suficiente para serem pensadas mas incapazes de efetuar o salto em direção ao arquivo em branco, ou à folha de papel. Por outro lado, não é como se a minha vida esteja deserta de palavras: tenho feito muitos textos para o jornal, trabalhos interessantes como freelancer, pesquisas e histórias humanas que me têm sido prazerosas de relatar. Ainda assim, a pandemia veio e, com sua chegada, impôs uma espécie de silêncio sobre mim. Meus cadernos de anotações andam silenciosos há meses; pouco tenho falado com as pessoas, e pouco tenho falado comigo mesmo, o que é possivelmente bem pior. Sinto-me cada vez mais retido entre paredes - as de minha casa, de onde muito pouco e brevemente me retiro, e as de minha mente, como muros que reforço com tijolos sombrios, tinta preta cobrindo as poucas janelas que ainda apontam para fora.
Mas não quero sumir. Há coisas demais que desejo dizer, embora o tempo pareça cada vez mais curto e a voz, mais escassa. Não sei se faz sentido dizê-las, se sou capaz de fazê-lo adequadamente e muito menos se alguém se importa; o que acontece é que desejo dizê-las - ou, talvez de forma ainda mais adequada, que decidi que assim desejo e, agora, estou disposto a teimar nessa direção. Não tenho medo de me tornar incapaz de escrever, e nutro uma confiança talvez imprudente de que a palavra, no fundo, jamais me abandonará: o que não posso aceitar é que esses meses de isolamento e esquecimento sejam suficientes para provocar tanto silêncio. Não é correto que eu me cale por mais tempo. Mesmo que eu precise forçar as palavras a saltarem para fora. Mesmo que elas estejam com medo.
A Época Folhetinesca continua lá fora. E segue precisando de um cronista.