Um cachorro chamado Rocky
Entrou no banheiro com pressa, caminhando aos pulinhos, a idéia fixa gritando em sua cabeça e exigindo atenção eficiente e imediata. Um mictório estava livre, graças a deus. Foi até ele sem hesitar, como quem encontra um bote salvador no meio do mar revolto. Aliviou-se com vontade, suspirando de alegria, o mundo lentamente voltando a ser belo e amigável e colorido e feliz. Fechou os olhos para saborear o momento, e quando abriu-os novamente notou a presença de alguém no mictório imediatamente anterior ao seu. Olhou para o lado e viu que Elvis estava lá.
Ficou olhando por muito, muito tempo, como se os seus olhos tentassem convencer o cérebro de que o que estavam vendo era exatamente o que os neurônios estavam captando e que não havia nenhuma espécie de distorção ou ruído de comunicação no meio do caminho entre um e outro. Que diabos, o homem não estava fantasiado como os sósias de programas de TV: usava uma jaqueta marrom, jeans novos e sapatos de camurça. Carregava uma barba de três dias no rosto, e ainda era possível encontrar fios escuros perdidos na sua cabeça grisalha. Era um cidadão comum, e ainda assim era Elvis Presley, tão certo quanto dois e dois são quatro, tão certo quanto o Sol e as estrelas e a existência do bóson de Higgs. Não conseguiu evitar ficar parado ali, como um completo idiota, olhando embasbacado para a cara de Elvis Presley. Não pensou em nada para dizer, nem em como ia tentar convencer as pessoas de que tinha visto Elvis em carne e osso urinando num banheiro público: ficou apenas ali, olhando, como se nada mais existisse na face da Terra.
- Posso ajudar? – disse Elvis finalmente, depois de perceber o olhar embasbacado do homem que estava urinando no mictório ao lado. Falou, e sua voz soou como quem declama os trechos de uma letra em voz alta, para memorizá-los antes de uma gravação. Era sem dúvida a voz de Elvis, tão certo quanto três e três são seis, como se no instante seguisse ele fosse puxar o microfone e cantar Always On My Mind.
Precisava falar alguma coisa. Engasgou, pigarreou, e pensou em milhões de coisas inteligentes e impressionantes e tocantes e inspiradas para dizer naquele momento. No entanto, como costuma ser, a menos sofisticada de todas as possibilidades acabou sendo a que saiu por seus lábios, antes que o cérebro pudesse detê-la.
- Elvis? – Perguntou, em tom baixo e sumido, e sua boca congelou na posição do último som de sua voz. Sentiu-se o mais idiota dos homens, mas continuou parado na mesma posição, olhando para o seu interlocutor como quem olha para um lhama voador.
Elvis riu, e foi o sorriso de quem faz uma pose para a foto da capa de seu novo single. O sorriso de Elvis era acolhedor, e ele não parecia zangado ou surpreso ou assustado ou qualquer coisa assim. Fechou o zíper, ainda rindo, ajeitou brevemente o cinto e, depois do que pareceu uma pausa interminável, disse simplesmente:
- Sua braguilha está aberta, filho.
E foi até a pia, lavando as mãos lentamente, sem usar o sabão cremoso depositado em um vidro enfeitado e secando as mãos com toalhas de papel. Saiu assoviando It’s Now Or Never, com as mãos nos bolsos, sem olhar para trás.
O homem ficou muito, muito tempo olhando para a porta do banheiro depois que Elvis Presley se foi. Pensou em muitas e muitas coisas: pensou na sua hipoteca, em sundae de baunilha, em uma namorada que teve quando tinha dezenove anos de idade, em vendedores de loteria e aviões perdidos no Triângulo das Bermudas. Pensou até na sua esposa, que o estava esperando há muito tempo e que possivelmente já estivesse preocupada com sua demora. Mas foi somente quando pensou no seu cachorro chamado Rocky que o encanto se quebrou e ele fechou a braguilha.