Era uma máquina. Imensa, cheia de engrenagens dentadas, pingando óleo e gemendo vapor. Montamos seu mecanismo com as próprias mãos, com o cuidado dedicado aos grandes empreendimentos. Dizem que, depois de pronta, funcionava de forma imperfeita e necessitou de vários ajustes; nunca pude constatar isso de fato, porém. Movia-se lentamente à princípio, rangendo, deixando parafusos pelo caminho. Logo, no entanto, começou a ganhar velocidade - acelerando aos poucos, engolindo as léguas com a fome dos monstros recém-nascidos. Admirávamos todos a besta enquanto ganhava desenvoltura, enquanto aprendia novos comandos, dominava novos procedimentos, tornava-se mais forte e eficiente a cada dia.
Hoje, fomos todos jogados à obsolescência. Comparados à Máquina, somos mais fracos, mais lentos, sujeitos a imprecisões de cunho motor e emocional. Somos falíveis e nossa imprevisibilidade prejudica dramaticamente nossa eficiência. Enquanto isso, a Máquina cresce assustadoramente. Não mais precisa de nós: domina todos os aspectos da própria mecânica e pode reproduzir-se sem nossa indesejável interferência. Incapazes de ser como ela, nos resta contemplar seu funcionamento perfeito enquanto ela nos esmaga.