quarta-feira, 4 de abril de 2012

Uma resolução de ano novo em Abril



Decidi, de forma definitiva, que vou cuidar da minha saúde. Tenho sido desagradavelmente relapso comigo mesmo: estou gordo, sedentário, não uso protetor solar todos os dias como deveria, não tomo medicação para os males que sei que tenho e nada faço para diagnosticar os que imagino que possa ter. Tenho bebido com frequência, me alimentado mal, dormido pouco, trabalhado demais. Meu corpo é testemunho de meu desleixo, e nada tenho a reclamar do destino ou do azar, já que quase tudo é culpa minha.

Dito isso, decidi que cuidarei de mim mesmo. Já vinha ensaiando isso desde o começo do ano ao menos - tentando comer um pouco melhor, me estressar menos com as coisas, acordar mais cedo e deitar mais cedo. Tudo isso, porém, de forma um tanto incipiente, movida mais pela boa intenção do que por uma verdadeira convicção. E o que mudará isso, o que me fará buscar de forma concreta um rumo para minha saúde e minha vida, não é o esforço carinhoso de alguns amigos e amigas, não é a pressão justa e amável dos familiares, muito menos resultado de algum tipo de epifania ou revelação individual. O que me tira do pode ser e (espero eu) me coloca em definitivo no rumo dos hábitos melhores é a súbita lembrança da conversa que tive com um taxista no verão do ano passado - e, é claro, das sensações que aquele encontro proporcionou, revividas a partir desse inesperado relembrar.

Era um taxista corpulento - daquele tipo de pessoa que sobra, que mais ocupa espaço do que se possa dizer que seja gorda propriamente. Sobrava para os lados do banco de motorista do mesmo modo que sua barriga sobrava para os lados da bermuda jeans. Dirigia o tempo todo apenas com o braço direito - o esquerdo estava parcialmente para fora do carro, exposto de forma descuidada ao sol de fevereiro. Como todos os bons taxistas, estava bem disposto para um dedo de prosa - e, dotado do também natural sexto sentido dos motoristas que gostam de conversar, percebeu que eu sou do tipo de passageiro que não costuma desgostar de uma boa conversa.

Fomos papeando, portanto, enquanto o taxista me conduzia a meu local de trabalho. De início, parecia que seu repertório era restrito a observações pouco sofisticadas e um tanto explícitas sobre sua vida sexual. Repetiu muitas vezes que, em sua opinião, pouco restava a um homem diante de uma mulher disposta ao sexo do que satisfazer-lhe o desejo - e pareceu-me que ele de fato exercia essa sua certeza no dia a dia, já que conseguiu me listar uma série de aventuras sexuais durante o relativamente curto tempo de viagem, todas elas pontuadas por sinceras e sonoras gargalhadas. Fui ouvindo sem interferir muito, apenas lançando uma que outra frase para não deixá-lo falando sozinho, achando graça daquela conversa um tanto fora de propósito.

Contou-me que havia sido casado, mas nunca muito fiel - e que, mesmo separado, atendia eventualmente os reclamos de sua ex-esposa, ao mesmo tempo que mantinha uma quantidade considerável de amantes, sua ex-cunhada entre elas. Amantes que, como ele me confidenciou, custavam-lhe quantidade considerável de dinheiro, o que o fazia trabalhar dobrado para conseguir manter sua intensa vida sexual sem deixar que nada faltasse a sua única filha, que ingressaria naquele ano no segundo grau. "Às vezes, falta dinheiro até para mim", disse ele. E foi quando o tom de sua conversa subitamente mudou, assim mesmo como o céu que muda de cor às escondidas, aproveitando uma distração nossa para passar do azul para o cinza agourento de chuva.

Ergueu o braço esquerdo, o que nunca tocava o volante e que eu mal tinha visto até o momento. Seu antebraço estava parcialmente coberto por queimaduras de sol. A pele, toda avermelhada, descascava visivelmente em vários pontos, com camadas de tecido morto dando um aspecto bem desagradável à cena. Não era uma queimadura comum, de quem jogou futebol ou saiu para a praia sem protetor solar; mais parecia uma ferida profunda, de quem seguidamente submetia a região aos rigores do calor e do sol. "Tá vendo isso aqui?", perguntou, como se fosse possível não enxergar aquela feia mistura de pele ferida e cicatrizes. "Estou com medo de estar com câncer", acrescentou, juntando palavras a uma suspeita bastante razoável naquelas circunstâncias.

Explicou então que já havia ido a um médico algumas vezes e sido advertido do risco de que aquela queimadura recorrente, fruto de anos andando com o braço descoberto para fora do carro, evoluísse para algo pior. Haviam receitado pomadas - que ele havia deixado de passar, uma vez que não tinha dinheiro suficiente para comprá-las. "Não posso deixar minha filha passar necessidade", argumentou. Às vezes fazia bandagens, colocando gaze sobre a parte ferida - em outras, como naquele dia, esquecia ou apenas tinha preguiça de fazê-lo. Naquele momento, era pressionado pela filha e pela ex-esposa para fazer novos exames, o que hesitava em fazer. "Vai que o doutor me manda parar de trabalhar", ponderava, a voz tomada por uma genuína preocupação. "De onde vai sair o dinheiro? Não tenho nada nessa vida, só sei dirigir".

Senti-me meio que obrigado a dizer algo. Medindo com cuidado as palavras, ponderei que talvez fosse melhor mesmo ir ao médico, que se ele iniciasse logo o tratamento eventuais danos poderiam ser reversíveis. Me ouviu, silenciou por instantes e respondeu insistindo que não podia se dar ao luxo de ficar sem trabalhar. "Quando a coisa melhorar, quando eu estiver com mais dinheiro, eu cuido disso", disse ele, com o tom inconfundível de quem tenta dar um peso extra às palavras - tentando acreditar, creio eu, que com elas seja capaz de convencer a si mesmo.

E agora pergunto: como poderia eu condená-lo? Não é exatamente assim que me comporto todos os dias, em todas as ocasiões onde minha saúde é assunto, para outros ou para mim mesmo? Não vivo eu a convencer a mim mesmo que mais tarde tomarei conta dessa questão, que serei mais responsável comigo mesmo assim que a vida me permitir uma pausa para respirar - mesmo sabendo, e disso sei muito bem, que a vida jamais fez e jamais fará pausas para quem quer que seja? Não fico eu adiando consultas, às vezes por obra do acaso, às vezes pela própria inércia, como alguém que deseja não correr risco de surpresas desagradáveis? Não sou eu mesmo que fico levando a vida como se tudo estivesse sob controle, sufocando em algum canto escuro da mente a ideia de que estou descuidando demais, ignorando demais, protelando demais?

Muitas das histórias que a vida me manda costumam ter um sentido mais filosófico, digamos assim - trazem algum tipo de ensinamento imaterial, algum novo ângulo pelo qual a vida se transforma e parece ganhar mais (ou menos) sentido. Curioso que o encontro com esse taxista desconhecido, de quem nunca mais soube e provavelmente nunca mais venha a saber nada na vida, seja justamente um dos primeiros que percebo trazer um ensinamento prático, um recado específico e muito particular a respeito do que sou. Um alerta, talvez possamos dizer. Que a dor daquele taxista, a quem pouca ajuda pude ou poderia ter prestado, me sirva ao menos de exemplo e estímulo. É hora de cuidar de mim mesmo, é o que ouço com clareza em minha mente. É hora de cuidar da minha saúde.