Duas perguntas que fiz aos meus pais, quando muito criança, ficaram especialmente marcadas na minha mente.
Ao meu pai, perguntei uma vez, andando da casa de minha vó para a minha própria, quem é que escrevia esse livro. Que livro?, perguntou meu pai. O Livro da Vida!, disse eu, exultante.
Meu pai riu e não respondeu.
À minha mãe perguntei em uma ocasião, chorando após ver uma notícia na televisão sobre uma criança que tinha morrido com poucos meses de vida, por que a gente precisava morrer. Só assim, de forma aguda e direta como só crianças de cinco ou seis anos conseguem fazer: por que a gente precisa morrer?
Minha mãe ficou muito chateada com minha dor, disse-me palavras de consolo, mas também não conseguiu responder.
Desnecessário dizer que essas duas perguntas seguem comigo até hoje. E que em noites como essa, quando o frio e o silêncio convidam a mente a mergulhar em si mesma, elas surgem com especial ênfase. Quem escreve o livro? E qual a lógica da morte em um mundo onde a vida parece tão importante?
Como nunca recebi respostas (e pode haver uma resposta a tais perguntas, no fim das contas?), fui levado a criar minhas próprias teorias. Pensei muito, andei muito, ando e penso cada vez mais. E tendo a concluir que a incapacidade de respostas está na imperfeição das perguntas. Ninguém escreve o Livro porque não há Livro, e não há motivo na morte porque, no fundo, não há morte: o que existe é um permanente rearranjar, na história e na vida. Ambas tomam formas permanentemente mutantes e indescritíveis, animadas pela mágica que é todos nós sem ser nenhum de nós ao mesmo tempo. E aí ficamos nós, nessa busca sem fim, ansiando por um sentido que não existe porque simplesmente não precisa existir. Achando que a fagulha vale mais que a chama, que a trilha da gota d'água na parede é mais importante que toda a tempestade.
É assim? Não sei. Não faço a menor ideia. Mas me agrada contemplar as perguntas que jamais responderei, em noites onde a incerteza parece ser a ponte entre o que pude e o que poderei ser. Assim agindo, me sinto um pouco mais dentro do Livro, e sinto a Morte um pouco mais distante.