quinta-feira, 14 de junho de 2012

O tremor



Percebeu-se velho em um relance, uma fração de segundo, reflexo quase não visto em uma janela empoeirada do prédio de sua vida. Ou teria sido uma percepção lenta, um arrastar-se pelos segundos dos séculos, caminhada que se faz com olhos no fim da estrada, sem reparar na paisagem? Tanto faz, no fundo. Era velho, e percebeu-se velho, sentiu-se velho como a poeira dos séculos, detentor e proprietário de toda a idade do mundo.

Foi velho durante muitos e muitos anos. Uma velhice imutável, de quem perde o apreço pelo passar dos instantes, de quem vive um segundo como o interminável rastejar do ponteiro do relógio rumo ao próximo segundo, raquítica parede de tijolos que nada protege e condenada ao desabamento final. Era um velho sentado à cadeira desconfortável de madeira áspera, enfastiado de ver o tempo passar lento como uma tartaruga rumo ao outro extremo do lugar nenhum. Grão após grão de areia, clepsidra inútil em cima da mesa vazia, ampulheta que nada conserva senão a areia dentro de si. E o prédio de sua vida era cada vez mais precário, paredes decrépitas, frágil refúgio prestes a desfazer-se em escombros no retorno ao solo.

Não sairia. Havia erguido aquele prédio e, mesmo com todos os defeitos e problemas de estrutura, aquele prédio era seu. Ali ficaria. Um, dez, mil, cem mil anos.

Até que um dia, em meio à interminável torrente de instantes de sua velhice, ouviu o som inconfundível do desmoronamento. Sentiu a fuligem caindo sobre seu corpo, viu o piso rachado, as paredes tremendo. Respirou uma vez, mais uma e mais uma, impassível na cadeira, sem mover um único músculo do corpo. Ali ficaria, já havia dito. E um tremor mais forte ocorreu, a mesa balançou sobre as próprias pernas e a ampulheta caiu ao chão, quebrando em vários pedaços. Em seguida vieram as paredes, cobrindo tudo em pó e estrondo, e então a escuridão fez-se total.

Demorou bastante até que ele conseguisse se erguer do meio do concreto e dos detritos. Estava um pouco ferido, sentia frio e levou tempo até que conseguisse limpar toda a poeira de cima de si. Mas ainda vivia. Ergueu-se devagar, de forma a contemplar melhor a confusão que tomava conta de tudo ao redor. Ainda não havia amanhecido, mas a luz da lua crescente oferecia claridade suficiente para que visse a montanha de escombros. Era um tremendo estrago.

Será muito trabalho, pensou. Mas sabia que não havia outra coisa a fazer ou algum lugar para onde ir. Respirou fundo, pegou o primeiro tijolo, apoiou sobre ele um pedaço de pedra. E era jovem de novo, jovem como a manhã que surgia, dedicado que estava à construção de um novo edifício rumo ao céu.