quarta-feira, 27 de junho de 2012

A coleta

[caption id="attachment_290" align="alignleft" width="300" caption="Foto: Alexandre Pereira"]Alexandre Pereira[/caption]

A gente não imagina as lições, os milagres silenciosos, as situações cheias de vida e nobreza que ocorrem em torno de uma lata de lixo.

Como da vez em que eu esperava do lado de fora de um café do centro da grande cidade, sem vontade de aguardar sentado pela chegada da pessoa que me acompanharia em espressos e conversas em um comecinho de tarde. O sol era agrádavel, a temperatura amena, e eu fiquei de pé ali na travessa, mãos nos bolsos, uma música nos ouvidos, apreciando as pessoas que passavam e pensando nas vidas e histórias por trás de cada uma delas. Passavam em profusão, as histórias que nunca conhecerei, apressadas em ir e voltar do trabalho, do estudo, dos amigos, amantes, compromissos, vivências. Alguma se revelaria, disso eu sabia. Sempre acontece.

E aconteceu. Veio a vida nos passos de um homem de chinelos de dedo e roupas surradas, arrastando um carrinho de mão cheio de papelão e garrafas plásticas. Veio meio cansado já, arrastando os pés, mas empurrando o peso de forma convicta rumo ao próximo passo e ao próximo e mais um e mais um e mais um. E foi indo até ficar ao lado da pequena lata de lixo no meio da rua exclusiva para pedestres, até deter seu passo diante da pequena cesta e, curioso, olhar e cutucar dentro dela em busca de algo.

Achei que seria uma lata de refrigerante vazia. Acabou sendo um copo pela metade de iogurte de morango.

Olhou, olhou de novo, cheirou rapidamente, provou.

Bebeu.

E logo atrás dele vinha sua companheira, igualmente pobre e suja, andando de forma igualmente devagar e firme. Trazia na mão alguns pedaços de material reciclado, que colocou em um saco de estopa antes branco, agora cinza escurecido.

Nada disseram um ao outro. Apenas se olharam rapidamente. O homem fez um gesto de cabeça, estendeu o copo de iogurte achado em meio ao lixo. Com uma naturalidade que até mesmo agora, transformada em mera lembrança, ainda me impressiona, a mulher tomou o copo para si. Bebeu um longo gole. Fez menção de devolvê-lo ao homem que o havia encontrado. Não, já bebi, li os lábios do homem dizerem.

E saíram os dois lado a lado, a mulher com uma mão na cintura do homem, a outra segurando o copo de iogurte. Juntos. E fiquei eu ali parado na rua em frente ao café, mãos nos bolsos, pensando naquelas duas vidas que existiram tão brevemente diante dos meus olhos. Pensando em como os que nada têm, muitas vezes, carregam consigo mais do que se possa imaginar. Mesmo que, no fim das contas, carreguem apenas um ao outro no coração da cidade cinza.