[caption id="attachment_298" align="alignleft" width="200" caption="Foto: Joel Knutson"][/caption]
É fato: ninguém imaginava que aquele moleque fosse sobreviver. Nasceu fraco e errado, moveu-se de forma indecisa pelos primeiros dias, parecia que ia cair de cara no chão a cada passo. Sempre calado. Sempre em dúvida, como quem não entende como as coisas funcionam no mundo. Não que não tenhamos tentado explicar: muitas e muitas vezes mostramos como as coisas eram, que era preciso fazer isso e aquilo, ser desse jeito e desse jeito, dizer isso, fazer aquilo, pensar pouco, andar. Em frente.
Mas não andava, o moleque. Ficava ali no canto, sentado, sozinho. Não fazia barulho. Imagina isso, um moleque que não faz barulho? Não tem como dar certo. Sei lá, parecia sempre meio assustado. Um moleque que tinha medo de tudo e em nada se encaixava. Era ridículo até, às vezes. E seguia tropeçando, seguia sem saber onde ir, o que dizer. Sem saber mentir.
Pensando bem, talvez fosse esse o problema. O moleque não sabia mentir. Até tentava, mas se enrolava todo, ficava confuso, tropeçava nas palavras e reações como quem tropeça nos próprios pés. Ficava pouco convincente. Fácil de desmascarar. Dava vontade de olhar para outro lado, sabe? Fingir que não estava vendo aquele moleque todo atrapalhado, incapaz de fingir, de se ajustar. Era dolorido de ver. E ele percebia que não estava dando certo, levantava e ia lá para o canto de novo. Ficava sozinho, meio cabisbaixo, murmurando alguma coisa que nunca entendi o que fosse. Talvez uma música, sei lá. Meio desafinado. Sozinho, ele e ele mesmo.
Não tinha como dar certo. E mesmo assim o moleque foi crescendo, ficando mais velho, virando adulto. Quer dizer, adulto não, que isso ele nunca foi. Não dá para chamar de adulto alguém incapaz de assumir responsabilidades. De ter um bom emprego, de ter amigos, ficar elegante, bonito. De ter várias garotas. Fazer sucesso. Crescer. Ter coisas. Como é que vai se chamar de adulto alguém que não consegue nada disso? Imaturo, isso sim. Nunca deixou de ser moleque e nunca vai deixar. Sempre com medo, sempre impressionado com as coisas do mundo. Não tem como.
Mesmo assim, sabe-se lá como, está aí. Vivo. Achamos todos que a qualquer momento, em qualquer dia desses, estaríamos em fila para colocar rosas na sua sepultura, dizendo que rapaz insistente, sempre tão perdido na vida, nunca se encaixou mas vá lá, que descanse, foi melhor assim, amém. Mas ele seguiu tropeçando, mancando, mentindo mal, desistindo de mentir. Seguiu. Sempre andando uma batida para trás - e depois, sabe lá Deus como, dando alguns passos para a frente, como quem recupera o ritmo só para se confundir de novo, alguns compassos adiante. E mesmo assim a música sai. E mesmo assim o moleque sobrevive.
Confesso que isso me confunde.