[caption id="attachment_381" align="alignnone" width="892"] Jean-Edouard Vuillard, "Sleep" | Reprodução[/caption]
Foi um salto estranho e repentino: em um momento, estava envolvido nas doces amarras do sono, no outro despertou de modo completo e abrupto, com a sensação urgente que de havia dormido demais. Ficou desperto detrás das pálpebras fechadas talvez por um segundo, possivelmente menos; então ergueu-se da cama de um só golpe, murmurando um palavrão, tateando no pequeno criado-mudo em busca do celular.
Seis e vinte e cinco da manhã. Não estava atrasado. Pelo contrário: tinha até acordado cedo demais. Quisesse, podia voltar para a cama e dormir por mais uns quarenta e cinco minutos. Mas a sensação não o abandonou: ficou olhando incrédulo para os números na tela, incapaz de convencer-se, incapaz de aceitar com a razão o que o coração aos saltos dentro do peito insistia em negar. Olhou para a janela de cortinas fechadas: pelas frestas, surgiam pequenos raios de tímida e indecisa luz.
A caminhada até o banheiro era curta. A fez de pés descalços, olhos semi-fechados, aos poucos convencendo a si mesmo de que tinha se enganado, de que talvez fosse o reflexo de um sonho ruim, apenas um susto, nada sério, nada demais.
Olhou no espelho e não era ele quem estava lá.
Quer dizer, era ele sim. Mas não era. Ele estava ali, mas era outra pessoa - alguém mais velho, com pequenas rugas no rosto, linhas acentuadas na testa, ligeiros fios brancos na barba malfeita. Ligeiramente careca.
Parecia cansado.
Percebeu de forma a princípio difusa que estava vendo a si mesmo como se visse outra pessoa. Feito uma criança, piscou os olhos com força, de forma quase caricata; ao abrir as pálpebras, continuou vendo a mesma figura de meia idade, o mesmo rosto mal barbeado, a mesma cara cansada. Coçou o rosto, lambeu os lábios, limpou a boca com as costas da mão. Não tirava os olhos do espelho.
Percebia-se calmo. Absolutamente calmo.
Ainda tinha quarenta e cinco minutos.
Retornou à cama sem muita pressa, ajeitando o corpo cuidadosamente debaixo das cobertas. Escondeu o rosto no travesseiro, fechou os olhos e começou a imaginar que bom seria se, na verdade, não estivesse acordado. Que não estivesse atrasado nem desperto antes da hora: que apenas dormisse, o corpo repousando enquanto a mente tentava lidar com um sonho estranho e desconfortavelmente real.