[caption id="attachment_393" align="alignnone" width="1000"] Foto: Bernardo Jardim Ribeiro[/caption]
Alguns se ergueram, em meio à comoção causada pela derrubada de árvores na praça em frente ao Gasômetro na metade desta semana, para pedir que as pessoas fossem além da espantosamente inepta frase do Sr. Prefeito José Fortunati - que disse, embora muitos ainda não consigam acreditar, que as árvores postas abaixo não estavam sendo utilizadas pela população. É preciso ir além dessa frase, dizem essas pessoas, e questionar se era possível mesmo evitar a obra, se uma eventual mobilização em prol das árvores não deveria ter ocorrido antes, entender que a cidade cresce e que precisa também aumentar o espaço para que ela possa mover-se e crescer ainda mais. Ficar apenas na declaração do Sr. Prefeito e ignorar esses pontos seria simplificação, dizem.
Pois eu digo que não concordo. Digo que nenhuma, absolutamente nenhuma análise minimamente adequada sobre o acontecido pode ser feita sem levar em conta a desastrada frase do Sr. Prefeito José Fortunati. Que simplificação seria resumir-se a analisar tecnicamente o projeto que leva as árvores ao chão, deixando passar em branco uma sentença tão simples, mas que ao mesmo tempo explica tanta coisa. Pois é raro, amigos(as), encontrarmos frase tão sucinta e, ao mesmo tempo, tão reveladora. E muito mais do que dizer algumas coisas sobre o Sr. Fortunati, ela diz inúmeras coisas sobre nós mesmos e o mundo que permitimos crescer mais e mais ao redor de nós.
O Sr. Prefeito José Fortunati pode ter defeitos (se alguns ou vários, cada um poderá dizer dentro de suas visões de mundo), mas a falta de inteligência e a incapacidade de manejar as palavras não estão entre eles. De fato, o Sr. Prefeito longe está de ser um tolo, e está igualmente distante de ser alguém incapaz de explicar conceitos ou de pronunciar-se em público a respeito deles. Acredito que a frase "as pessoas não utilizam estas árvores no Gasômetro” foi fruto de um deslize, de uma desatenção causada em uma situação de surpresa e necessidade de improviso. E justamente por isso tudo, é uma frase sincera - de fato, o Sr. Prefeito José Fortunati acredita que as árvores em frente ao Gasômetro não tinham utilidade suficiente para justificar sua manutenção. Assim pensou, assim pensa e, sem medir o peso das palavras que usava, assim pronunciou-se a respeito.
E aí nos cabe perguntar: e desde quando árvore precisa ser útil para alguma coisa? Mais ainda: por que diabos as coisas precisam ser úteis sempre? Por que cargas d'água as coisas só têm valor, dentro da grande lógica de nosso modelo de mundo, na medida em que elas cumprem uma função prática ou atendem determinados interesses? Porque é essa a questão bem acima do acontecimento pontual, o raciocínio que não só derrubou essas árvores como ainda levará florestas inteiras ao chão.
Só nos importa o que é útil. Só possui valor o que se presta visivelmente a algo, o que pode ser consumido, direcionado, revertido em lucro, otimizado. Algumas árvores no meio do caminho do asfalto são tão úteis quanto algumas pessoas morando no caminho do empreendimento imobiliário - são dispensáveis. Removíveis. Desprovidas de valor. De tal modo que o chefe do Executivo de uma das principais capitais do Brasil é capaz não apenas de pensar, mas de dizer em voz alta que algumas árvores podem ser postas no chão, na medida em que não são de fato utilizadas pelas pessoas.
Lembro de um tempo em que as árvores não precisavam prestar para nada além de serem árvores. Que a gente entendia que árvores tinham uma função bem clara no simples fato de serem árvores, que cumpriam perfeitamente sua motivação na existência na medida em que continuassem sendo árvores. Um tempo em que nos agradava ter árvores por perto, em que um lugar com muitas árvores era considerado um lugar bonito e que lugares bonitos podiam continuar sendo bonitos sem prestar para nada além de agradar a vida dos seres humanos. E que, quando a gente precisava botar abaixo uma árvore - mesmo que com ótimos motivos, mesmo que para melhorar a vida de um monte de gente e fazer da cidade muito maior e mais moderna e mais veloz - a gente talvez não deixasse de fazê-lo, mas certamente o fazia com o mínimo de respeito, sem dizer por aí que na verdade não tinha problema, que as coisas eram assim mesmo, que aquelas árvores no fundo não serviam para nada.
Talvez esse tempo só tenha existido na minha imaginação, mesmo. Mas eu acho que não.