Uma das questões que mais comumente ocupavam meu cérebro quando eu era um gurizote de seis ou sete anos era como estaria a minha vida no ano 2000. Sou nascido em 1980, de forma que quando chegasse a virada do milênio - não exatamente matemática, mas certamente simbólica - eu teria entre dezenove e vinte anos de idade. Para mim, era uma distância absolutamente imensa para viver, e levaria uma eternidade até chegar a ser o que eu, na época, julgava ser a idade de um adulto completo, já com a vida encaminhada e tudo o mais. E eu gostava dessa ideia de distância, gostava de imaginar onde eu estaria, o que eu seria da vida, se eu teria uma namorada, se eu estaria morando na minha própria casa, em outra cidade talvez...
Mais do que uma expectativa, era uma espécie de projeção. Não sei se me farei entender mas, embora jamais tenha me sentido uma criança infeliz, eu não tinha nenhuma satisfação especial na minha condição - era, digamos assim, uma criança bastante ensimesmada e um tanto auto-consciente demais para de fato usufruir a infância. Então os meus vinte anos eram uma espécie de ponto mágico no futuro, onde as coisas estariam acomodadas, onde eu seria eu mesmo, enfim. Eram óbvias ingenuidades de uma criança que pouco ou nada sabia do mundo - mas, como toda a ingenuidade, ela foi profundamente convincente até o momento (agora para mim indefinível) em que se quebrou.
Desnecessário dizer que vieram e passaram os vinte anos e a tal tranquilidade nem perto de passar pela minha vida. Minha vida ganhou movimento, aumentou-se meu círculo social, muito vivi e muito aprendi - mas segui com aquela sensação difícil de definir, aquela inadequação localizada mais no tempo do que no espaço. Durante muito tempo, não entendi bem as raízes do desconforto não opressivo mas permanente que eu sentia, como sensação incômoda que se esquece às vezes mas nunca vai embora de fato. A tal idade em que se curte a vida, para mim, não tinha tanta atração. Não era nada sofrida, com certeza, mas a euforia permanente que se espera da vida na faixa etária dos vinte e poucos nunca chegou de fato a instalar-se em mim. Eu já tinha atravessado o longo caminho, já estava no novo milênio e era um jovem adulto como esperava ser lá longe na infância - mas continuava aguardando a sensação de estar na época certa, de firmeza no caminhar, de desenvoltura (ou ao menos alguma segurança de mim mesmo) quando confrontado com as coisas do mundo e da vida.
E é curioso escrever essas coisas todas agora, que já estou na faixa dos trinta e poucos e finalmente me ocorre a epifania. Afinal de contas, me sinto em paz. Não com a vida feita, não com o tipo de sucesso que eu imaginava quando criança nem com a estabilidade que eu talvez desejasse quando na fronteira dos vinte anos. Mas em paz. E talvez essa sensação que eu sinto venha justamente de ter finalmente aprendido que, ao menos para mim, estabilidade, sucesso e outros valores do tipo simplesmente não fazem sentido. Saboreio a vida com grande satisfação, apreciando sinceramente a maior parte dos momentos. Não tento mais me iludir com conquistas ou com uma série de eventos pontuais e espetaculares - pois aprendi que, para mim, esses valores de pouco ou nada valem. Talvez o desconforto que tanto senti fosse, na verdade, a incapacidade de aceitar como naturais as exigências do mundo, ou ao menos o que eu achava que eram as exigências inerentes àquela fase do existir. Hoje, eu posso não estar exatamente na posição que gostaria, mas me percebo capaz de atuar sobre o mundo de forma clara, além de muito mais seguro sobre quem sou e qual meu papel. E se por um lado não tenho mais expectativas quanto ao inevitável processo de envelhecer, não tenho temores sobre ser mais velho, nem vejo nos meus dias a necessidade maluca de sorvê-los até o bagaço antes que a idade venha para supostamente levar tudo embora. Minha paz atual, agora percebo, vem também da suave consciência de que envelhecer não é tão ruim assim, muito antes pelo contrário.
Estou bem, em suma. E mesmo que me tirem tudo ou quase tudo, é bem possível que eu continue me sentindo bem - porque achei um ponto de equilíbrio que, ao não depender de posições sociais ou predicados comuns às coisas humanas, acaba sendo perfeito para mim. Fico pensando, então, o que o guri de seis ou sete anos pensaria ao contemplar o adulto barbudo e careca de trinta e dois, quase trinta e três. Não sei se ele se reconheceria no que sou hoje - mas, lembrando de quem eu era naqueles tempos e de como as coisas do mundo me perturbavam e atingiam, tenho certeza que ele perguntaria se as coisas parecem melhores quando se fica mais velho. Tivesse esse encontro ocorrido quando eu tinha vinte e um anos, eu responderia que não. Hoje, seria com o coração leve e um sorriso no rosto que eu diria: sim, rapaz, as coisas melhoram em parte quando a gente vira adulto. Talvez seja isso, no fim das contas: nasci com trinta e poucos anos de idade. E sei lá, talvez minha alma vá ter trinta e poucos anos para sempre. Por mim, tudo bem.