[caption id="attachment_485" align="alignleft" width="300"] Foto: Zeca Baronio / Flickr[/caption]
Vi o casal bem antes que se juntassem a mim na estação de trem. Vinham quase ao lado do outro, o rapaz ligeiramente mais à frente, como quem abre caminho para a moça que vem logo atrás. A partir de um ponto, não era mais possível acompanhar visualmente o trajeto que faziam - então fiquei imaginando eles terminando de subir a longa rampa, dobrando em direção às catracas, pagando o bilhete primeiro um, depois o outro. Descendo as escadas. Olhando em meio às grades para ter certeza que o trem não tinha chegado ainda.
Desceram e vieram a mim.
O rapaz sentou-se. A moça preferiu ficar em pé. Foi ela quem iniciou a conversa, com alguns gestos expansivos e rápidos movimentos de dedos e mãos. O homem respondeu brevemente, de forma descuidada, enquanto ela retirava da pequena bolsa uma máquina fotográfica de modelo simples, a qual passou rapidamente a seu companheiro.
Não compreendo linguagem de sinais, de forma que não faço ideia do que diziam. De qualquer modo, percebi rapidamente que não era uma conversa amistosa. Deduzi, dentro das minhas precárias possibilidades de compreensão, que havia algo errado com o funcionamento da máquina, e que a moça esperava que o rapaz pudesse de alguma forma consertar o aparelho. Ele, por sua vez, não estava muito disposto a tentar. De qualquer modo, ambas estavam insatisfeitos e irritados com a situação. A moça gesticulava rápido, exaltada; o jovem, sentado com displicência cheia de desafio, mexia no aparelho de forma descuidada, fazendo gestos como quem pede paciência.
O rapaz deixou cair uma peça, que soltou um breve estalo metálico ao tocar o chão. A moça, irritada, tomou a máquina de suas mãos e afastou-se. Em resposta, cheio de revolta, seu companheiro deu um tapa no ar - um gesto que os surdos e os que escutam, os mudos e os que falam demais, todos certamente compreendem muito bem.
Em silêncio, desligo a música nos fones de ouvido e observo.
O trem já não está distante.
Entro por uma porta, eles por outra. Ficamos um pouco distantes; no entanto, me posiciono de forma a poder vê-los pelos pequenos vidros das portas que levam de um vagão a outro. Estão um de frente para o outro, mas sem comunicarem-se, sem troca de olhares. O jovem segura o corrimão, e põe-se a contemplar a própria mão que agarra a barra de metal como quem encontra nela um pretexto pobre para não olhar para mais nada. A moça não agarra-se em nada: mantém-se em pé com o rosto fechado, os braços cruzados.
O trem sofre um breve solavanco. A moça perde brevemente o equilíbrio. O rapaz faz menção de ampará-la.
Na estação, as portas se abrem. Passageiros embarcam e desembarcam. O trem vai cheio. Para que as pessoas possam passar, sou forçado a me movimentar.
Quando volto a olhar em direção ao casal, já estão abraçados.
Não pude testemunhar os últimos movimentos daquela cena, a dança gestual que levou àquele gesto definitivo de reconciliação. Não que faça falta, na verdade - no fim das contas, as histórias são também suas lacunas, os espaços em branco entre o que foi e o que pode ter sido. Sei apenas que assim surgiram, no fim da primeira manhã de uma semana que a minha memória há de manter: abraçados, um dando apoio ao outro na viagem, os rostos antes crispados agora próximos em pacificada contemplação. Depois do desencontro, em um vagão adjacente do trem que os levava para um ponto qualquer onde nunca mais os verei de novo, eram a certeza um do outro uma vez mais. Juntos, negavam o silêncio. Não estavam mais sós.
Eram um sinal. E eu nem sabia.