[caption id="attachment_581" align="alignleft" width="300"] Foto: Ramiro Furquim / Sul21[/caption]
O centro de Porto Alegre tem uma qualidade toda particular nas manhãs chuvosas de segunda-feira. A cidade se encolhe para proteger-se das gotas finas: andam as pessoas rente às paredes, acumulam-se debaixo das marquises, enquanto as ruas de pedestres se esvaziam. Surgem os casacos com capuz e as pessoas que não sabem andar carregando guarda-chuvas. É um mau-humor suave, o da região central de Porto Alegre tomada pela chuva - o sentimento de quem, já enxergando tão menos do céu quanto gostaria, lamenta não ter contato, se não com a luminosidade, ao menos com o calor do Sol. Ainda mais em uma manhã de segunda-feira.
Há um toque de humano em tudo que vejo. Isso é inegável.
Para mim, esse tipo de observação é fácil: mesmo carregando guarda-chuva, como hoje, raramente o uso.
Depois de tomar café em uma pequena lancheria, resolvi aguardar debaixo de uma das marquises da Esquina Democrática. Um pouco à frente, um homem tentava distribuir panfletos do que imagino que fosse um centro médico ou algo do tipo. Tarefa complicada em uma segunda-feira chuvosa: mesmo o que não têm pressa estão apressados, e ninguém parece dispor de tempo para ler panfletos, por mais coloridos que sejam. Não desistia, porém. A cada transeunte que passava, estendia um papelzinho colorido, substituindo eventuais palavras por um sorriso que não recebia atenção de quase ninguém.
Uma das pessoas hesitou. Pareceu ver no pedaço de papel algo interessante para si; porém, não decidia-se em pegá-lo, por mais que a ela sorrisse o homem com os panfletos. Sentiu ele então que precisava reforçar a abordagem, e disse brevemente, enquanto a voz tentava sorrir:
"Pode pegar, moça, é bem importante".
Rompida a barreira de silêncio entre ambos, e persuadida pela eficaz argumentação, tomou a senhora o panfleto para si. Chegou a murmurar um obrigado antes de partir.
O sucesso do novo método não passou despercebido ao homem. Tomado de renovada confiança, acrescentou o número a seu esforço de panfletagem, e passou a realçar incansavelmente a importância do material que ofertava. "É importante! Pode pegar, senhor, que é bem importante! Leva, amigo, é importante!". E a pilha de panfletos foi diminuindo a olhos vistos, as pessoas que passavam convencidas de que tratava-se de algo importante, algo que merecia alguns instantes de sua atenção, algo que merecia sair das mãos do homem que panfletava, ir em direção aos bolsos e mochilas, às bolsas e pastas de trabalho, uma trilha colorida que nascia naquela esquina e de lá se espalhava pelos mais diferentes caminhos da cidade tingida de segunda-feira, preguiçosa de chuva.
Se era mesmo importante eu não sei: me distraí na hora de ir embora e acabei não pegando o papel. Mas não deixou de ser agradável perceber que, mesmo nas manhãs mais chuvosas das segundas-feiras menos animadoras, as pessoas ainda sabem que existem coisas importantes que exigem nossa atenção - mesmo que as confundam com um pequeno pedaço de papel vendendo seguros ou tratamento dentário. Imagino que tenha sido importante ao menos para o homem que distribuía panfletos, de qualquer modo.