Ligação telefônica de um número restrito. A cobrar.
Na primeira vez, desligo sem atender.
Insistem. Desta vez resolvo atender, embora já imaginando que fosse problema.
"Pai?", pergunta uma voz masculina, hesitante.
Descubro neste instante, via ligação telefônica, algo que não sabia até então: sou pai. E devo ser pai há tempos, uma vez que a voz é de um adolescente entrando na idade adulta, no mínimo. Um filho bem criado, eu diria.
A descoberta me deixa mau-humorado. Que diabos, se era para eu ser pai, que ao menos tivesse curtido as alegrias de ver meu filho crescer. Que tivesse as gratificações de conviver com uma criança, o prazer de vê-lo ir bem na escola, as brincadeiras, o afeto, o orgulho. Um filho que aparecia assim, me informando de forma súbita meu caráter de pai, ligando a cobrar sem me dar sequer a dignidade de saber qual o número de seu telefone, não me provocava nenhuma satisfação.
Pelo contrário: fiquei até um pouco ofendido.
"Que foi?", respondo, interpretando uma voz irritada tão bem quanto podia.
"PAI ME AJUDA PAI PELO AMOR DE DEUS ELES ME PEGARAM PAI ME AJUDA ME AJUDA", choraminga a voz.
Que diabos. Ainda me liga para me passar problemas. Realmente, criei muito mal essa criança. Só pode ser.
"Por quê? Que que tu aprontaste agora?", pergunto, controlando a custo a falsa raiva em minha voz.
"PAI ME ESCUTA ELES ME SEQUESTRARAM PAI PAI POR FAVOR PAI ME AJUDA" - o lamento é choroso, insistente e estridente.
Detesto gritaria ao telefone. Detesto.
De-tes-to.
"Ah, AGORA tu quer minha ajuda?", respondo com firmeza. "Pois quer saber? Te vira, moleque. Eu é que não vou fazer nada para te ajudar. Tu nunca me deu ouvidos, vivia se metendo com essa gente e agora quer que EU te ajude? Mas bem capaz. Dá um jeito na tua vida e depois vem falar comigo. Eu fora!"
Desligo o telefone sem nenhum remorso, o outro lado da linha tomado de silêncio.
Descubro neste instante, via ligação telefônica, algo além da paternidade. Percebo que posso ser um pai bastante severo, se for o caso.