Tenho saudade do tempo em que plantávamos feijões em pedaços de algodão. Era uma experiência estranha e riquíssima: ver o grão duro, tegumento e endosperma que de repente explodem em broto, vão virando raiz e depois caule e depois folha e depois planta inteira. Meus olhos de criança adoravam o processo, e não foram poucas as vezes em que roubei alguns grãos da feijoada de domingo antes que fossem para a panela, pelo singelo prazer de ver surgir deles aquele risco quase milagroso de vida. Cuidava deles com considerável dedicação, procurava manter o algodão sempre úmido, sem exagerar na água, dando sol de vez em quanto. As mudas morriam depois de algumas poucas semanas, mas não me permitia qualquer tipo de luto; era hora de outro feijão e outro germinar. Certa feita, cheguei a dar a alguns daqueles brotos uma sobrevida: plantei-os em um pedacinho de terra na casa de minha vó. Cresceram como eu jamais teria imaginado possível na minha ingenuidade de tão poucos anos de idade - passaram de um palmo de altura, as folhas saltaram, os caules ganharam em firmeza e espessura. Foram devoradas por caramujos e gafanhotos, aquelas mudas leguminosas, mas tiveram vida mais longa que suas irmãs, e gosto de pensar que gostaram da terra, do sol e de viver e morrer ao ar livre.
Será que as crianças ainda plantam feijões em pedaços de algodão? Me ocorreu a dúvida agora, tarde da noite, como um estalo. Desde que meu interesse infantil começou a transformar-se na explosão da adolescência, nunca mais vi ninguém plantar feijões em algodão. Será que ninguém mais faz isso? Terá morrido comigo e com os meus essa tão nobre prática? Será que as crianças ainda têm a chance de ver uma vida nascendo, mesmo que tão pequena e frágil, e se importarem minimamente com ela durante seu breve e inevitável ciclo de surgir, crescer, murchar e morrer? Ou isso ficou no passado, desapareceu na névoa do fim da infância, virou coisa de gente velha - ou ainda pior, de criança velha?
Era só o que me faltava: depois de adulto, ter que plantar um feijão em um pedaço de algodão, só para provar a mim mesmo que isso ainda é possível.