(parte de algo maior, que não sei se será completado um dia. coloco aqui em nome de atualizações mais constantes e porque deu vontade de dividir)
"Quando vier a chuva, as palavras virão", pensou o homem isolado no pequeno quarto de um hotel desconhecido, quase na fronteira de onde termina o Mundo e começa o Fim. Havia ido até aquele local justamente para encontrá-las ambas, as palavras e a chuva. Daquelas palavras dependiam, em boa medida, seu futuro; por meio delas buscava encontrar algo em si que, desde sempre ignorado, sabia apenas estar perdido, embora não fosse capaz de dizer o que era. As palavras, ele acreditava, trariam em si a resposta de uma pergunta que, tão central dentro do que ele era e do que pretendia ser, apenas flutuava em torno de todos os seus atos, jamais de fato elaborada ou formulada. Estavam nele, e dele precisavam sair: aguardava portanto, com intranquila paciência, pelo momento da libertação.
Olhou uma vez mais para o céu. As nuvens eram cinzas, o vento soprava insinuante, mas não havia nenhuma certeza de chuva para as horas que viriam. Podia até mesmo sair, se assim desejasse; recusava-se, porém, a sequer cogitar essa possibilidade. Tinha consigo água e alimentos, nada precisava adquirir e, não conhecendo ninguém naquela cidade distante de tudo e de si próprio, não havia necessidade de ver ou conversar com pessoa alguma. Aquele dia seria apenas dele e de sua busca: assim tinha decidido e assim faria, aguardando as palavras que sabia precisar formular, quer elas viessem ou não.
"Onde está a chuva?", indagou-se. E era estranho, porque nem ele mesmo sabia o quê, no fim das contas, fazia da chuva algo tão importante. Sua relação com a chuva sempre fora de carinho e afeição, quase de cumplicidade: a amava, no fundo, e dela sentia a correspondência. Não foram poucas as vezes em que, diante da certeza da forte precipitação, apenas deixou-se aguardar em campo aberto, recebendo as gotas grossas como bênção, até erguendo os braços para saudá-las, filetes de água escorrendo de seus braços até as costas, rumo ao solo. Nenhuma relação óbvia, porém, havia entre sua necessidade de chuva e sua necessidade de palavras. Acreditava talvez que ambas pudessem purificá-lo? Esperava na chuva uma companhia relaxante, um ambiente que melhor permitisse a busca das palavras dentro de si? Ou apenas queria a chuva como grande evento, como acontecimento que rompesse a lógica dos dias de sol e páginas em branco, precipitação que marcasse o encerramento de algo e o começo de outra coisa qualquer?
Não sabia. Sabia apenas que precisava da chuva. E por ela ansiava, os olhos seguidamente voltados para a pequena janela, para o fiapo de céu cinza que não trazia resposta alguma.
Levantou-se. Saiu da pequena mesa onde instalara o computador, deitou-se à pequena cama de lençóis brancos e leu um pouco mais do livro que trouxera consigo. De vez em quando, olhava o céu. Nenhuma palavra. Nenhuma gota de chuva.
"Como lidar com o céu cinzento da vida?", perguntou a si mesmo. "Como lidar com o sol entre nuvens?".
Não havia resposta.