[caption id="attachment_648" align="alignleft" width="200"] Imagem: LunaticKio /DeviantArt[/caption]
O lugar dele continua lá, vazio. Ninguém senta ali há mais de trinta e cinco anos - desde o dia em que ele levantou, os olhos tingidos de vermelho, a voz pastosa de álcool e raiva, os passos pesados e terríveis como só o caminhar dos muito bêbados consegue ser. "Não sei quando volto", disse ele, e foi-se embora. Desapareceu na chuva, andando e mancando pelas calçadas úmidas de cinza, sumindo em meio ao vento que uivava um nunca mais.
Acho que o pior de tudo é isso, sabe? Ele ter ido embora com raiva. A despedida é o mais importante, é o momento que fica para sempre - e ele se despediu como quem bate a porta, como quem engole as palavras duras e precisa sair rápido para não dar tempo delas fugirem de dentro de si. Foi embora me xingando com os olhos. Mancando forte, pisando cinza. Com raiva de mim.
Foi e não voltou mais. Na sua cadeira ninguém nunca mais sentou; eu posso dizer, pois tenho a vigiado por todo esse tempo. O bar nunca mais lotou: sempre falta um lugar, mesmo quando as mesas estão todas cheias, mesmo quando há pessoas de pé, mesmo quando um grupo de amigos senta naquela mesa para beber, rir e fingir esquecer. Ficam em torno do lugar vazio como se fosse invisível, como se não existisse. Mas existe, e pode ser visto: eu sei, pois o vejo o tempo todo. Mesmo quando o bar já fechou, mesmo quando já estou em casa observando o teto, incapaz de dormir. Mesmo quando fecho as pálpebras para não enxergar mais nada. Está sempre lá, o lugar dele. Falando dele mesmo que ele talvez nem exista mais. Um lugar em aberto.
Sempre vazio.
Acho que o pior de tudo é isso, sabe? Ele ter ido embora com raiva. A despedida é o mais importante, é o momento que fica para sempre. Estou aqui até hoje, esperando que ele volte e se despeça direito de mim. Não é justo que tudo termine assim, de forma áspera, com tanta raiva. Deixando só um espaço vazio atrás de si.