[caption id="attachment_719" align="alignright" width="225"] Foto: graficalicus / Flickr[/caption]
"Sou o último", disse-me ele, no dia em que nos conhecemos. Não que fosse velho, mas era visível que não trazia mais a juventude dentro de si: falava em voz baixa e sem calor, o branco já conquistando o negro nas laterais do couro cabeludo. Seus olhos, firmes nos meus, ainda assim pareciam distantes, como se não mais pertencessem ao mundo.
"O último?", perguntei por perguntar, apenas para não ficar em silêncio.
"Sim", respondeu, e sua resposta foi quase um suspiro, um desalento imenso surgindo em sua voz e ecoando dentro de mim. "Nunca fomos muitos, de qualquer modo".
Fez-se silêncio. Longo, pastoso silêncio. Tratei de rompê-lo pedindo mais uma cerveja.
Choveu fraco a noite toda.
Nos despedimos na porta de meu prédio, já ao amanhecer. "Nos vemos outro dia", disse eu, sem ter certeza de dizer a coisa certa, apenas para que não nos despedíssemos em silêncio. Um vento suave criava minúsculas ondas nas poças d'água, iluminadas pelo sol indeciso.
"Não voltarei", respondeu-me, com uma estranha ternura na voz. Quase sorria. "Gostaria de voltar, mas não vai acontecer. Sinto muito".
A esquina é ao lado do prédio onde moro. Dobrou-a. Nunca mais o vi.
Às vezes, repito a cena em minha mente. Mudo os diálogos, o cenário. Em minha imaginação, peço que fique. Se não pode voltar, então não vá embora, digo eu. Algumas vezes, ele concorda. Em outras, vai embora mesmo assim.