[caption id="attachment_572" align="alignnone" width="1024"] Foto: Mariana Gama[/caption]
Ônibus em direção ao centro de Porto Alegre. Não muito cheio: era fim de tarde, quase noite, horário em que as pessoas e os coletivos mais voltam do que vão. Fim de uma tarde maravilhosa de sol - um sol daqueles que faz a gente esquecer a chuva, esquecer tudo que é cinza e frio, esquecer de qualquer coisa que não seja o brilho da luz e o azul do céu.
Embarco, passo a roleta, encontro um assento vazio. À minha frente, uma família - a mãe e o filho, portador de Síndrome de Down. Conversam algo que, por estar com fones de ouvido, eu não consigo ouvir a princípio.
Desligo a música e, sem remover os fones, passo a escutar o que dizem.
É um diálogo simples e que desenha-se rapidamente. O menino está ansioso para descer; a mãe, com um sorriso transbordante de amorosa paciência, diz que ainda faltam três ou quatro paradas. Imagino que, seja lá onde estivessem indo ou o que estivesse esperando por eles nesse local, a viagem fosse uma experiência inédita para o garoto. Falava com voz aguda e excitada, perguntando se faltava muito, a mão pousando no ombro da mãe - que, encarnação da tranquilidade, apenas pedia que ele esperasse um pouco mais.
É um menino obediente, ou ao menos tenta sê-lo. Silencia, aponta aos risos para um cão de rua que passa rapidamente pela janela, ajeita o descanso de braço primeiro para cima, depois para baixo. Mas é visível que não consegue distrair-se: não é capaz de livrar-se da vontade de chegar logo a seu destino.
De repente, o menino se levanta. Mal posso ver seus olhos, mas consigo perceber no perfil de seu rosto uma confiança renovada, de quem muito pensou e finalmente achou a solução para um grande impasse. Segura uma das barras metálicas do ônibus com uma mão, toca o ombro da mãe com a outra e diz:
- Mamãe, vamos descer!
- Mas ainda não chegamos, meu filho - responde ela, sem crispar o rosto, sem erguer ou mudar o tom da voz.
É neste momento que o menino completa, triunfante:
- Então: a gente desce agora e vai caminhando até lá!
Falou bem alto, ele. Creio que todo o ônibus ouviu. Sua mãe, no entanto, não se deixou levar pelo argumento: gentil, mas investida de sua autoridade de mãe, fez com que o menino voltasse a sentar. Faltava pouco mesmo para chegarem, de qualquer modo: mais duas paradas e desceram, de mãos dadas, o menino com um sorriso no qual cabia uma tarde inteira.
Foi uma pena que nenhum de nós, testemunhas involuntárias daquela singela cena, tenha se dirigido à carinhosa mãe e, com o máximo possível de educação, pedido que ela reconsiderasse sua decisão. Afinal, tinha razão o menino: fins de tarde como aquele, ainda banhados pelo sol da vida que sobreviveu a quase uma semana inteira de chuva e céu cinzento, certamente justificam que a gente desça duas paradas antes e vá caminhando até o destino.