Sobre a Época

"A insegurança e contrafação da vida espiritual daquela época, a qual, em muitos sentidos demonstrava possuir energia e grandeza, é por nós, homens de hoje, explicada como um sintoma do horror que se apossou do espírito ao encontrar-se, no final de uma época de aparentes vitórias e prosperidade, diante do nada; uma enorme pobreza material, um período de tempestades políticas e bélicas, e uma desconfiança de si próprio brotada com ímpeto das trevas, de um dia para o outro, uma desconfiança da sua própria força e dignidade, e até mesmo de sua própria existência. Não obstante, no período em que se pressentia a decadência, ainda havia produções intelectuais de enorme elevação. Mas assim como é fácil classificar dentro da história universal, com beleza e sentido, qualquer período do passado, o presente, seja ele qual for, é incapaz de classificar-se a si mesmo, de modo que naqueles tempos, à medida que as exigências e a produtividade do espírito baixavam a um nível modestíssimo, apossava-se dos intelectuais terrível incerteza e desespero. É que se acabara de descobrir - descoberta pressentida desde Nietzsche, aqui e acolá - que a juventude e o período criador de nossa cultura pertenciam ao passado, que a decrepitude e o ocaso haviam surgido, e em razão dessa descoberta pressentida por todos, e por muitos formulada sem rebuços, se esclareciam muitos sinais inquietantes dos tempos; a mecanização insulsa da vida, a profunda queda da moral, a falta de crença dos povos, a falta de veracidade da arte. Como naquela maravilhosa lenda chinesa, a "música da decadência" havia ressoado, e como o baixo ameaçador de um órgão, vibrava já há dezenas de anos, derramava-se qual corrupção nas escolas, nos jornais, nas academias, derramava-se como neurastenia e doenças mentais na maioria dos artistas e críticos sérios, debatia-se qual selvagem e diletântica super-produção em todas as artes. Havia várias maneiras de se contrapor a esse inimigo que se infiltrava e que não era mais possível libertar de seu feitiço. Podia-se procurar afastá-la como uma ilusão, e para esse fim os anunciadores literários da teoria da decadência da cultura ofereciam muitas armas cômodas; além disso, quem entrava em luta contra aqueles ameaçadores profetas, era ouvido pelo cidadão e adquiria influência sobre ele, porque o fato de a cultura, que ontem ainda se acreditava possuir e de que tanto se orgulhava, estava desprovida de vida, o fato de a instrução tão apreciada pelo cidadão ter deixado de ser uma genuína instrução, como a arte apreciada por ele deixara de ser genuína, parecia-lhe tão insuportável e chocante como a repentina crise monetária e a ameaça de perder a fortuna com revoluções. Além do mais, para combater o pressentimento da decadência havia ainda o comportamento cínico: ia-se dançar, e explicava-se qualquer preocupação pelo futuro como uma tolice arcaica, cantavam-se inspirados folhetins sobre o próximo fim da arte, da ciência e da linguagem, constatavam-se com uma volúpia semelhante à do suicida, a completa desmoralização do espírito, a inflação das ideias na época folhetinesca, nesse mesmo mundo que se havia construído de tecnologia e de papel. Era como se víssemos com cínica apatia, ou com excitação do bacanal, que não só a arte, o espírito, os costumes e a probidade desapareciam no abismo, mas que o mesmo acontecia com a Europa e o mundo, tal qual se conhecia então. Entre os bons reinava um pessimismo taciturno, e entre os maus um pessimismo pérfido. Era necessário primeiramente haver uma demolição do que sobrevivera e uma certa mudança de ordem do mundo e da moral, por meio da política e da guerra, antes que a cultura fosse capaz de uma verdadeira auto-observação e de uma nova organização".