sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O tapa

Sabe quando alguém morre? É algo bem curioso o que acontece quando alguém morre, pessoal. Quando uma pessoa é morta, por incrível que possa parecer, ela fica morta para sempre. Tipo, eternamente, sabe? Quando alguém estava vivo e por algum motivo morre, essa pessoa nunca mais irá viver. O que ela foi, o que ela era e o que poderia ter sido: tudo acabou. Para sempre. Porque ela está morta. Morta.

Não dá para apertar o botão RESET e recomeçar o jogo. É como se você simplesmente morresse de verdade, de forma definitiva e sem chance de mudar. Sabe aquela sensação boa de tomar banho quando a gente se sente sujo e cansado? Para quem morre, isso não existe mais. Afinal de contas, essa pessoa morreu. Você gosta de queijo, por exemplo? Para a pessoa que está morta tanto faz quanto tanto fez se ela gosta ou não de queijo, se ela já gostou de queijo ou se poderia, um dia, ter gostado ou vir a gostar de queijo ou de açúcar ou de banana ou de arroz à grega ou de peixe grelhado ou seja lá do que se queira falar. Dar um beijo, deitar no sol, fazer amor, tirar um cochilo, ouvir música, correr atrás do ônibus, rir de uma piada. Nada disso pode acontecer, nada disso faz mais nenhuma diferença. Porque essa pessoa morreu. Está morta. Mortinha. E nunca mais vai viver. Nunca mais. Nunca.

Imagina um amigo seu morrer assim, para sempre, de forma inapelável e sem poder voltar atrás. Imagina um parente seu morrer desta maneira. Uma pessoa que você ama, seja qual for o seu modo de amor. Uma pessoa importante dessas morrer e você nunca mais vê-la, nunca mais tocá-la ou beijá-la ou amá-la ou mesmo ouvir a voz dela. Nunca mais. Eternamente impossível. Porque ela morreu. Porque mataram ela.

Imagina só isso e depois de tudo isso, depois de saber de forma inapelável que alguém que faz diferença morreu para sempre e nunca mais vai viver nem se as carruagens de Deus rasgarem o céu em um estrondo de trovão, vem alguém e te diz que ela tinha mesmo que morrer. Que ela fez algo errado. Se revoltou demais, perdeu o controle, não aceitou as regras e tentou provocar mudanças nas regras e aí, bom, daí ela morreu. Daí tiveram que matar ela. Porque sei lá, é mais importante que as coisas sigam funcionando exatamente assim, exatamente como são, sem mudarem jamais, de jeito nenhum, não importa quantos tenham que morrer eternamente para que as coisas fiquem assim, congeladas exatamente como estão. Porque quem criou as regras tem o controle, e quem paga aquelas que criaram as regras tem mais controle ainda, e a vontade deles justifica que algumas pessoas morram para sempre de forma a eles continuarem exatamente onde estão.

E imagina que quem te diz isso não é quem criou as regras, quem dá dinheiro para quem criou as regras nem nada disso - e sim alguém na mesma posição que tu, diante da mesma linha de tiro, alguém que pode morrer para sempre eternamente da mesma forma que todos os outros que já não existem e nunca mais hão de existir de novo. Alguém que também pode morrer eternamente para todo o sempre e nunca mais voltar: basta ficar irritado com uma regra que ele não acha justa, exatamente como a pessoa que ela acha que bem feito que morreu, desafiou a lei, fez um crime, tinha mesmo que morrer.

Imagina tudo isso. E me explica, porque para mim não faz sentido algum.