segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A esquina

Desde que morreu, apegou-se de forma especial àquela esquina. De lá viu dores e milagres, lágrimas e triunfos, vidas que iam e vinham alheias a sua silenciosa e invisível presença. Testemunhou a chegada das estações, a incerteza dos equinócios, o sol que surgia indeciso entre nuvens cinzas de concreto e chuva. Viu coisas que foram e não voltaram, viu pessoas que nunca se permitiram ir, presenciou inúmeras histórias lindas ou terríveis que nenhum cronista observou e nenhuma pena jamais registrará. Assistiu tudo em silêncio, às vezes com uma sombra de sorriso, outras com a lembrança de uma lágrima correndo pelo rosto desencarnado. Saudoso da vida, pôs a contemplar a vida que não mais era sua, que jamais lhe tinha pertencido, mas que o fascinava com a tênue memória do que tinha sido e do que talvez, em um sonho absurdo de cadáver, talvez ainda pudesse acontecer.

Quando cansou-se, ergueu-se da calçada e foi-se embora.