terça-feira, 15 de maio de 2012

Demissão



Oito horas por dia. Cinco dias por semana. Quatro semanas por mês. Doze meses por ano. Por uma vida inteira - quantos anos? Anos e anos de sair cedo, voltar tarde, andar no estômago de bestas feitas de parafusos e alimentadas de óleo e indiferença. Ir por onde veio, vir por onde voltará, bater no mesmo ponto, no mesmo ritmo, de novo e de novo. Construir castelos de cartas. Esquecer o sono, o sonho, o afago, a dança. Dizer bom dia como quem diz estou morto. Morto. Andar morto entre os mortos, arrastar-se pelas horas mortas, sedento de vida - vida que foi-se embora, não mais existe, cansou-se de nós e nos desertou. Onde está? Certamente não nas chaminés que vomitam cinza, cobrindo o azul do céu, nos roubando mesmo o brilho difuso da estrela distante, ela também já morta. Nada mais brilha. Desço do veículo que me transporta como quem desembarca para o holocausto, subo as escadas como quem ruma ao cadafalso. Arrasto-me pelos segundos intermináveis em nome de breves intervalos de ilusória e estúpida salvação. Quando interrompido o martírio, engulo algo. Mandíbulas. Abdomens. Sabor não há. Nada crio, nada invento. Reproduzo e padeço. Esqueço. Onde me escondi? Quem sou eu? Tenho um nome - que diferença faz? Sou um entre incontáveis, anulado na multidão, engrenagem na grande máquina feita de carne para esmagar almas.

Tenho ódio dentro de mim. Ódio espesso como pó de ferro, recendendo a enxofre, que sufoca a garganta e enche os olhos de lágrimas. Ódio das paredes cinzentas, do chão cinzento, dos céus tingidos de cinza. Ódio que clama por cor, qualquer cor. Ódio do relógio e sua prisão de fina precisão, segundo após segundo em perfeita e sincronizada expectativa pela minha morte. Odeio a morte na vida. E não quero morrer. Recuso a condenação a morrer dia após dia, indo e vindo pelos mesmos caminhos, pelas mesmas vias horríveis de cinzento absurdo. Tenho ódio de cada fim-de-semana e cada feriado. Odeio o descanso. Odeio precisar descansar. Exijo que me devolvam o prazer de dormir, o prazer de acordar, a satisfação de aquecer-se do frio debaixo do sol. Antes do advento do inferno, meus dias eram quase eternos - eu os quero de volta. Devolvam-me o prazer de vencer as distâncias. Levem consigo a pressa e a eficiência, as quais nunca pedi e que jamais foram parte de mim. Exijo, de forma incondicional, o direito de voltar a falhar. Sou Humano, e odeio a Máquina. Que seja destruído, maldito engenho feito de milhões de vidas que foram sem jamais terem sido. Anseio desesperado pelo colapso de tudo. Que nada reste, nem mesmo os escombros. Que me esqueçam.

Me demito de tudo. Se é pelo dinheiro, que fiquem com ele. Engulam cada centavo. De todo o lucro, não quero nem mesmo a lembrança.

Estou fora.