domingo, 18 de maio de 2014

Ensaio sobre o que resta ser dito

Seria difícil escolher o que eu diria, se tivesse a chance. Trago em mim uma enorme coleção de coisas não feitas, palavras não pronunciadas, gestos que só fiz em minha imaginação. Tenho a língua afiada com argumentos que só me ocorreram horas, dias, semanas depois do instante decisivo. Escolher, em meio a esse enorme repertório de possibilidades, a frase perfeita e o conjunto mais adequado de palavras: este seria um desafio imenso, quase impeditivo. Mas é o que todos somos, no fim das contas: o resultado das coisas que não foram, mas que poderíamos ter sido. Se eu digo, já não mais existo: surge um outro, alguém que não era sequer possível antes daquela frase, alguém que está indefeso no mundo e sobre o qual não tenho mais controle algum. Eu apenas sou na medida em que não me permito ir além. Conheço minhas fronteiras. O que não fiz permanece dentro de mim, e apenas assim pode ser eterno. Recordo cada detalhe: quem mais poderia apreciar com tanta paixão a beleza dessas palavras que nunca encontraram voz? Amei de forma tão sincera nesses silêncios! Senti escapar entre os dedos aquilo que mais desejava - e nesse momento tudo foi mais belo, mais intenso. Na inexistência encontrei a eternidade.

E ainda assim gostaria de esmagá-la. Eis a dor eterna do humano: quer ser eterno, mas a eternidade o sufoca. Conheço minhas fronteiras - elas me oprimem, esmagam-me além do que posso suportar. É o que todos somos, no fim das contas: o resultado das fronteiras que construímos com afinco e que ansiamos profundamente por destroçar. Agir é conclamar a destruição. O movimento, uma vez feito, não pode mais ser aperfeiçoado na imaginação, na fantasia cada vez mais perfeita; cada gesto é um mergulhar na mortalidade. Diante da segurança da vida eterna, ansiamos por arriscar a própria vida. Quero colocar tudo a perder. Mas que palavras diria eu, se tivesse a chance?

Lá fora, a chuva insinua-se. Do lado de dentro das minhas fronteiras, as paredes são frias, o quarto é estreito. Mal consigo ficar de pé.

E então me ocorre. Não vá embora, sopra um fiapo de voz entre meus lábios. É o que eu diria diante do abismo. Não vá embora.

Acende-se uma luz. É como estrela. No céu acima de mim, vagarosamente, a chuva se desfaz.