quarta-feira, 7 de maio de 2014

Relato de um sonho sobre uma reportagem

Eu estava trabalhando como repórter. Havia uma ocupação de espaço público em andamento - uma grande praça semi-urbanizada com diferentes níveis e ambientes, com áreas de muito verde e uma espécie de largo central. Um esforço policial de desocupação estava prestes a acontecer, e eu estava lá para a cobertura da coisa toda. Ramiro, fotógrafo do Sul21, estava em algum lugar também, mas eu não fazia ideia de onde. Era madrugada e chovia muito, muito mesmo - um temporal horroroso, de gotas enormes, capaz de deixar alguém encharcado em questão de segundos.

O clima era estranho, um misto de tensão e tentativas de descontrair. Eu tinha chegado um pouco atrasado; por algum motivo, estava hospedado em um hotel contíguo ao parque, de forma que basicamente desci do quarto direto para o olho do furação - sem capa de chuva, sem equipamentos adequados, apenas um bloco de notas e um lápis. Os policiais recomendavam que todos os jornalistas ficassem na mesma área, supostamente mais segura - um ambiente amplo, mas horrivelmente escuro e onde era praticamente impossível enxergar qualquer coisa. A chuva era tanta que fazia uma espécie de neblina, e todas as luzes estavam apagadas naquela área; a única iluminação vinha de postes de rua, distantes e indistintos. Além disso, para que não tomássemos chuva, a área estava coberta por uma espécie de lona, que complicava ainda mais a luminosidade. Os colegas jornalistas pareciam satisfeitos em estarem ali, sem tomar chuva, mesmo que fosse impossível ver qualquer coisa do que supostamente deveriam cobrir: conversavam com policiais, usavam celulares como lanternas e tomavam notas, alguns deles aos risos. De todos, eu mal enxergava os vultos.

Estava incomodadíssimo de estar ali. Era ridícula aquela posição subserviente, distante de tudo, onde mal conseguia enxergar a mim mesmo, que dirá as coisas que deveria relatar. E me irritava a postura dos colegas de profissão, aceitando sem críticas - até com certo agrado - aquela posição precária. Cheguei a tentar acender a luz do meu celular para tomar algumas notas, mas a bateria estava fraca e a luz era quase inexistente - e foi quando decidi que simplesmente não dava para permanecer ali. Tentei focar minha visão nas luzes distantes, localizar de onde vinham, buscando algum caminho a seguir no meio da vegetação fechada, da chuva forte e da quase completa escuridão. Cheguei à conclusão de que havia um caminho à esquerda que valia a pena arriscar e comecei a andar, sem avisar ninguém da minha intenção, procurando me manter debaixo da lona para evitar o temporal. Ninguém viu que eu me afastava - se viram, não tentaram me deter.

Andei às cegas por algum tempo, sem enxergar por onde ia, tomando cuidado em não pisar em falso ou tropeçar. A chuva, que já era intensa, ficava mais e mais forte; eu não enxergava a lona, mas conseguia sentir ela balançando logo acima da minha cabeça, resistindo com dificuldades à tempestade. Depois de algum tempo, consegui ver um espaço ligeiramente mais iluminado à frente: era o fim da lona. Avancei até lá, em passos mais rápidos. Ao chegar lá precisei parar rápido: era um ângulo muito íngreme - o calçamento encerrava de forma abrupta em considerável abismo, o chão simplesmente escapava debaixo dos pés. Cheguei a sentir um pouco de vertigem. Estava um pouco mais claro, porém - a chuva era absurdamente forte, mas a luz de um poste mais ou menos próximo e a ausência de lona me permitiam ver um pouco melhor ao meu redor. O desnível era agudo, mas não muito profundo: eu poderia descê-lo sem me machucar, caso me agachasse e colocasse as pernas no piso abaixo, um pé de cada vez. Mas aí eu estaria à mercê da chuvarada, o que me pareceu ruim. Um pouco à esquerda, porém, havia uma continuação no mesmo nível em que eu estava - bastante estreita, mas coberta por uma pequena marquise. Resolvi tentar chegar até lá: sentei na beira do pequeno abismo e fui meio que me arrastando até lá, tomando cuidado para não fazer nenhum movimento brusco demais.

Chegando lá, tudo ficou surpreendentemente fácil. A chuva, antes cruel, amainou repentinamente - foi perdendo força, ficando mais e mais mirrada até que simplesmente parou. O fiapo de espaço foi ficando mais largo, virou uma espécie de rampa, desembocou numa trilha de grama baixa. Ao fim dela, não muito longe, pude ver uma grande concentração de pessoas: eram os responsáveis pela ocupação, já expulsos pela polícia, que aos poucos se dispersavam. Um facho forte de luz, que imaginei ser emitido por equipamento dos próprios policiais, as iluminava com clareza. Não havia confronto. Meu coração deu um salto e corri em direção a eles. Não havia nenhum outro jornalista por perto.

Já não lembro mais, obviamente, as coisas que apurei nessa pauta do subconsciente. Lembro que entrevistei pelo menos cinco pessoas - todas um tanto indignadas com a expulsão, mas ao mesmo tempo tranquilas e muito seguras do que faziam e da validade de suas ideias. Tomei muitas notas, empolgado com a força de algumas frases. Estava escrevendo em minha mente a matéria na medida em que conversava com as pessoas. De repente, me chamam: é o Ramiro, câmera dependurada no pescoço, usando capa de chuva. Eu sabia que ele estaria lá. Fotografei tudo, ele diz. E então a consciência surge, começo a despertar, e logo antes de abandonar o mundo do sono me ocorre pensar puxa que pena, a matéria ia ficar tão boa, nunca poderei escrevê-la.

Passei o dia todo com muita vontade de fazer uma reportagem.