sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Diálogo: viagem no tempo

"Talvez fique mais fácil de entender se eu disser que venho do futuro, mas isso não é verdade. Ao menos não para mim. Estou tão confinado ao presente quanto você, mas o meu presente não é daqui, e o seu presente é algo que eu já vi acontecer. Bem, não exatamente isso: é mais como um vídeo que já assisti algumas vezes, mas que revisto parece um pouco diferente de como eu lembrava dele. E isso é bem curioso, porque se eu não posso dizer que venho do futuro, também não posso dizer que você vive no passado. Somos dois presentes, no fim das contas: o que estamos vivendo aqui é agora para você e é agora para mim, então como poderia ser qualquer coisa antes ou depois? Não há ninguém que possa olhar de fora e dizer onde a gente está. Mas sim, isso aqui era para ser o meu passado, então o meu presente era para ser o seu futuro. Só que está tudo errado. Não sei o que aconteceu, na verdade".

"Como assim, errado?"

"O passado que vim buscar é diferente do que eu encontrei aqui. Sei lá, está tudo mais ou menos certo, mas ao mesmo tempo está quase tudo um pouco errado, entende? O que eu vivi ou lembrava de ter vivido é diferente, embora seja tudo quase exatamente igual. Como vou saber que esse seu presente é mesmo o meu passado? Posso ter caído em algum desvio, pego alguma fibra temporal diferente da que eu julgava ser a minha. Ou quem sabe o problema sou eu mesmo, no fim das contas. Esse presente é o meu presente, então é claro que não pode ser o meu passado ao mesmo tempo. Ao chegar aqui, eu injetei presente no passado e o mudei para sempre. Ou reescrevi tudo, o que dá na mesma para mim ainda que seja completamente diferente. Seja como for, eu fracassei. E agora não posso mais voltar".

"Como assim? Se você veio, você volta. É só seguir pelo mesmo caminho, não?"

"E voltar para onde? O mundo até pode ficar parado no mesmo lugar, mas a gente mesmo só anda para a frente. O que eu era antes de vir já não existe mais para mim, entende? Existe para quem ficou lá, mas para mim já era. Quem sabe o que vou encontrar se tentar voltar? Melhor ficar aqui, sendo alguma coisa, do que ficar o tempo todo tentando ser o que não sou mais. Eu só posso existir onde estou: melhor admitir isso e deixar o resto para trás. Além disso, eu gosto da paisagem por aqui. É um pouco mais colorida".