sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Breve relato de um sonho com uma praça

Eu era um estudante. É uma das questões centrais mais recorrentes nos meus sonhos: estar no colégio ou na faculdade, no meio de algum curso ou retornando aos estudos, dentro de sala de aula ou me dirigindo para lá. Nunca entendi bem o que isso tem de tão marcante, de tão simbólico para mim ao ponto de eu sempre retornar a esse ambiente. De qualquer modo, era um estudante que tinha saído da escola para fazer qualquer coisa que não lembro o que fosse - eu carregava uma sacola de plástico, de modo que imagino agora, desperto, que eu tivesse feito compras em algum mercado ou qualquer coisa nessa linha. Tendo feito seja lá o que eu tinha me proposto a fazer fora da escola, estava na hora de retornar para lá - e eis o conflito na minha situação, já que eu não fazia ideia de qual fosse o caminho de volta.

É até um pouco difícil explicar a situação agora que estou acordado, ainda que no sonho ela fizesse sentido suficiente para que eu sequer a questionasse. Eu tinha certeza de estar perto da minha escola, mas não sabia onde estava - ou, melhor dizendo, tinha esquecido tudo sobre aquele lugar, em uma espécie de amnésia espacial. Para mim, era como se nunca tivesse estado lá - mesmo assim, eu sabia que já tinha andado muitas vezes por aquelas ruas, visto aqueles lugares, as pessoas. Apenas tinha esquecido tudo. E eu tinha plena consciência do meu esquecimento, ainda que não estivesse nervoso, apenas um pouco apreensivo pelo risco de não me deixarem entrar se eu me atrasasse demais. Era um estrangeiro em uma área que, ainda que desconhecida, me era bastante familiar.

Fui andando. As ruas eram de paralelepípedos; não havia prédios, apenas casas de alvenaria, humildes mas não pobres, com pátios pequenos de grama bem cortada. As calçadas eram feitas de grandes pedras de basalto, e estavam cobertas de folhas. Era outono? Não podia ser: as árvores estavam cheias de vida, transbordando de frutas. Pelo caminho, passo por uma praça circular, que ficava no meio do cruzamento de duas ruas um pouco mais largas. Nesta praça havia uma amoreira enorme, com frutas muito vistosas, maiores do que qualquer porção de amoras que eu tivesse visto antes. Debaixo dela, grupos de crianças brincavam, correndo, gritando, rindo. Comendo amoras que caíam no chão. Era quase uma chuva, que salpicava o chão de grama rala com pontos roxo-avermelhados. Era impossível atravessar a praça sem passar debaixo da árvore - e era impossível seguir procurando meu caminho se não passasse por ali. Fui caminhando o mais rápido que pude, tentando não ser atingido pelas amoras enormes que caíam - não queria manchar a roupa e assistir sujo as próximas aulas. Não me ocorreu provar nenhuma das frutas - o que agora, desperto, eu lamento um pouco.

Cruzei a praça e segui caminhando, metade guiado pelo instinto, metade a esmo. Sentia que não estava longe - mas, ao mesmo tempo, sentia que minha margem de tempo estava acabando, então caminhava um pouco mais rápido, mais atento aos detalhes. De repente, enxergo uma banca de revistas na esquina à frente e imediatamente fico tranquilo. Eu lembrava bem daquela banca: era só dobrar à esquerda naquela esquina, caminhar uns 50 metros no máximo e estaria na frente do prédio da escola. Tinha achado meu caminho.

Caminhei os último metros intencionalmente devagar, encenando uma esquisita peça de preguiça.

Meus colegas estão na frente do prédio, conversando. Junto-me a eles em silêncio, sem comentários, como se o meu retorno fosse casual - como se estar ali, entre colegas que eu sabia meus mas não lembrava de ter visto antes, fosse a coisa mais natural do mundo. Um deles me dirige a palavra, e aponta para uma terceira pessoa quando diz:

- Vocês combinam isso? Sempre chegam na mesma hora, mas por caminhos diferentes.

Respondo, fingindo o ar mais despreocupado do mundo, concentrado em meu papel:

- Isso é saber fazer as coisas, cara.

E entramos no prédio enquanto eu volto para a consciência, o mundo material começando a se insinuar por entre as pálpebras.