quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Notas de rodapé: Porto Alegre, dezembro e suas ausências

Quando o ano termina, Porto Alegre mergulha em uma quietude que é toda sua. Há, como bem sabemos, os que partem e os que ficam. Alguns rumam ao litoral ou além, buscando ambientes fora de sua rotina, lugares relaxantes ou extraordinários onde possam vivenciar o Natal e Ano-Novo de forma mais prazerosa para si. A mim não cabe qualquer julgamento a esse respeito e nem teria o menor interesse em fazê-lo, caso me coubesse. Mas estou certamente inserido em outro grupo, o daqueles que permanecem na metrópole quando os demais se vão - pessoas e famílias que não têm para onde ir, que ainda estão presas a compromissos profissionais ou familiares, ou que talvez apenas julguem que os eventuais benefícios de um deslocamento não valem o esforço.

Estou entre os que ficam e, sendo o tipo de pessoa que sou, me é natural observar os espaços vazios que surgem no meio do cinza. São numerosas e interessantes as ausências que saltam aos olhos em uma cidade que espera o ano acabar. Estão nos assentos livres nos ônibus, nas lojas que fecham mais cedo, no sinal vermelho sem carros diante de si. Há uma ausência de pessoas, é certo, mas também uma ausência de objetivos: ninguém espera muito mais do ano senão que ele acabe, de modo que nos limitamos a administrar coletivamente o fluxo das horas rumo ao giro do calendário. São sobreviventes, todos os que testemunham uma virada de ano; mas os que aguardam por ela nas ruas semidesertas de uma metrópole sobrevivem a algo além.

Não há exagero em dizer que existe uma camaradagem surda entre os moradores da Porto Alegre de fins de dezembro. De fato, olhamos o outro que passa por nós na rua como um companheiro de causa, um resistente, alguém como nós. Estamos unidos na permanência; mesmo distantes, somos mais próximos. E essa certeza difícil de explicar nos aproxima da própria cidade, como se nosso permanecer fosse uma prova não apenas de lealdade, mas de um laço de parentesco, uma irmandade talvez. Nossa conveniência se torna prova de convicção: mentimos uns aos outros que não estaríamos em outro lugar mesmo que pudéssemos. Amamos Porto Alegre de verdade, é o que dizemos uns aos outros nas ruas da grande cidade esvaziada. Somos fiéis. É uma ilusão reconfortante - e a cultivamos com tanto carinho que ela chega a ganhar um convincente invólucro de verdade.

Imagino que as cidades menores recebam um número considerável de pessoas nesses dias de encerramento. São os filhos que foram para longe, voltando ao aconchego da terra onde nasceram, mesmo que às vezes nem seja tão aconchegante assim. As cidades turísticas, que puxam para si os desgarrados e os fugitivos, também incham durante as festas de fim de ano. Às metrópoles que não se prestam ao turismo, com Porto Alegre, resta a temporária calmaria e a presença reconfortante dos que não partiram. É mais democrática, a Porto Alegre de fim de ano: ressaltam-se os filhos humildes, os bonés e bermudas, os chinelos de dedo. Fica mais simples, espontânea. Mais bonita, inclusive.

Ainda não é tempo, é claro. As pessoas ainda compram presentes de Natal: imagino que muitas irão à praia no fim de semana, mas ainda devemos ter ruas farfalhando de vida até a terça-feira pelo menos. Depois sim, a cidade será toda nossa. Estarei lá, nas esquinas vazias de gente, tomando notas.