domingo, 22 de dezembro de 2013

Um espresso, duas moças, três rapazes (e água mineral)

[caption id="attachment_622" align="alignleft" width="300"]Anders Fredenslund / Flickr Anders Fredenslund / Flickr[/caption]

Resolvo fazer uma pausa na tarde para tomar um café. Os cafés, como muitos sabem, são lugar convidativo para os escritores e farsantes: o fluxo de pessoas estimula a imaginação flutuante, e o ambiente favorece a auto-ilusão de quem, tentando iludir aos demais, triunfa em iludir a si mesmo. No momento, contudo, convencer a mim mesmo de que faz sentido escrever é uma preocupação não mais que acessória - muito mais me interessa o lugar à sombra, o espresso sem açúcar e a pausa necessária entre o vir de algum lugar e o seguir em frente.

Peço um espresso e uma água mineral. O café chega rápido e cheiroso; esquecem, porém, de me trazer a água. Ah sim, desculpe, só um instante, diz a moça que me atende, antes de sumir na cozinha por longos minutos.

Não me zango, mas é uma pena. Prezo muito a água mineral para acompanhar meu espresso, especialmente em dias de muito calor.

Duas moças sentam em uma mesa próxima. Diria que fazem uma pausa no trabalho: ambas usam crachás, embora eu não consiga ler o que está escrito neles. Tinham um assunto em andamento, do qual tomo conhecimento assim que ocupam seus lugares e, pela proximidade das mesas, se torna impossível não ouvi-las.

"Sabe quem está apaixonado?", diz uma delas. "O Luan!"

Nem imagino quem Luan seja, mas a interlocutora parece surpresa com a informação - e de tal forma reage à notícia que eu acabo ficando interessado também. Aparentemente, Luan encontrou a moça pela qual apaixonou-se ao acaso, em alguma festa íntima ou comemoração entre colegas. Não entendo bem os motivos, mas há algo que impede Luan de assumir o relacionamento: a moça que conta a história (e que parece ter ouvido a confissão do próprio Luan em determinado ponto) diz que ambos desejam estar juntos, mas não sentem-se capazes de fazê-lo e tampouco conseguem se distanciar um do outro. "É meio uma história inacabada, como tu e o Lucas", arremata.

A outra moça reage de forma neutra à comparação. Pelo jeito, a história complicada entre ela e Lucas não é segredo entre as duas amigas. "Às vezes, tenho vontade de ligar para ele e marcar alguma coisa, só para acabar tudo de uma vez", confessa a moça que tem uma história inacabada com Lucas. Não é uma moça solitária, porém: logo começa a falar de sua história com outro rapaz, chamado Erick, a quem não consegue dedicar tanto carinho e consideração quanto gostaria justamente porque ainda tem Lucas no pensamento.

Faço um gesto à moça que serve o café. Ocupada com outros clientes, ela infelizmente não me vê. É pena: tenho sede. Chego a cogitar erguer-me e ir até o balcão em busca de água.

Não levanto, porém. Fico sentado. Escutando as duas moças que falam, sentadas em um ângulo que me permite ouvi-las, mas que dificulta e transforma em espalhatosa qualquer tentativa de enxergá-las.

A moça que falava de Luan agora apenas escuta: quem fala é a moça que tem uma história mal resolvida com Lucas. Comenta vivamente seu relacionamento com Erick - um rapaz de quem ela aparentemente gosta bastante, mas que sofre de insegurança e seguidamente deixa-se levar por esse sentimento, cometendo gestos de insensibilidade e grosseria. Conta um incidente no aeroporto: o rapaz pediu que ela comprasse uma água tônica, ela equivocou-se e comprou um outro tipo de bebida, o que deixou Erick bastante irritado. "Me encheu de osso de cima a baixo", enfatiza, enquanto sua amiga solta exclamações de surpresa e indignação. Briga que os manteve em silêncio até depois do embarque, logo antes da decolagem. O clima ruim entre ambos, conta a moça, encerrou-se enquanto o avião movia-se na pista e Erick, de surpresa, pôs sua mão sobre a dela. "Pega na minha mão? Eu tô com medo", teria dito o rapaz.

Chega a água, assim mesmo de surpresa. Agradeço, sirvo o copo e tomo um longo gole, cheio de gratidão. Processo rápido, mas longo o suficiente para me distrair da conversa na mesa ao lado - de tal forma que a perda acaba sendo definitiva. Já não falam sobre Erick nem sobre Lucas e muito menos sobre Luan: estão ambas de pé, rumando ao caixa, preparadas para ir embora.

Não há um final para essa história: simplesmente fiquei sentado ali, refletindo um pouco sobre esse estranho e descosturado diálogo enquanto os minutos passavam sem muita pressa por mim. Logo a vida me puxou de volta e ficou para trás o café, a conversa entre as amigas, os homens que a motivaram e todo o resto. Pois assim são todas as conversas ouvidas ao acaso nas esquinas da vida: referem-se a tudo, sem que tratem exatamente de coisa alguma. E surgem do nada, como o amor, podendo sumir igualmente de surpresa. Há que se ter os ouvidos abertos, portanto. E tomar notas sempre que possível.