terça-feira, 11 de junho de 2013

Praça Aratiba, sem número

"Tu nunca pensou em ser jornalista?"

Quem me perguntou foi uma menina da oitava série, no pátio da Escola Estadual Visconde do Rio Grande, Praça Aratiba, sem número, zona sul de Porto Alegre. Se eu bem lembro, eu estava na quarta série - na quinta talvez, mas certamente não além disso. Naquela época, o tempo ainda se deslocava de forma mágica e particular: os dias pareciam intermináveis, quinze minutos de recreio eram tempo de sobra para fazer um monte de coisas, e a oitava série ainda era um estágio de maturidade quase inalcançável, um ponto da vida onde já se era mais velho do que eu era capaz de imaginar.

Era final de manhã. Eu esperava a minha mãe, que lecionava na mesma escola, para que fôssemos juntos para casa; a menina, eu acho que apenas matava tempo antes de ir embora. Não preciso fechar os olhos para lembrar do cenário com riqueza de detalhes. O banco feito de pedra não aplainada, dura e desconfortável. A quadra de vôlei torta, com uma das linhas laterais tendendo mais ao centro do que a outra. O pavilhão de madeira, insuportavelmente quente no verão, gelado quando fazia frio. A árvore não muito frondosa, com minúsculos frutos verdes. A cerca de arame já meio derrubada naquele ponto, sustentada por precários postes de pedra, pintados de branco. A laje áspera debaixo dos nossos pés.

A menina tinha um cabelo longo, cor de terra, preso logo abaixo da nuca e que lhe caía quase até a curva dos quadris. Tinha um rosto redondo, de bochechas bem realçadas, aquele tipo de rosto que mesmo sério parece de alguma forma ainda estar sorrindo. Usava bermudas jeans justas, que batiam pouco acima do joelho. Tênis brancos. Para mim, era uma menina linda. Uma beleza que talvez só jovens de cerca de dez anos possam enxergar em meninas de quatorze ou quinze - um misto de fascínio e admiração ingênua, compreensível apenas quando se é um moleque conversando com uma moça no começo da adolescência, ambos ainda novos demais para entender plenamente a grande ânsia que move o mundo.

Não era a primeira vez que conversávamos. Era quase fim de ano letivo: disso lembro bem, pois ela ia terminar a oitava série e, como o excelso Visconde do Rio Grande não tinha e até hoje não tem ensino médio, iria continuar as aulas em outro lugar no ano seguinte. Por algum motivo, ela se afeiçoou a mim. Talvez enxergasse em meu comportamento, desde sempre contemplativo e dado a períodos de solidão, algum tipo de fragilidade que desejasse proteger. Quem sabe, certamente sabendo ela quem eu era, achasse divertido falar de vez em quando com o filho da professora de inglês. Ou quem sabe o que houvesse entre nós fosse apenas a amizade simples e pura que surge entre pessoas que, de alguma forma, percebem-se iguais - eu me sentindo à vontade diante de uma pessoa como ela, ela enxergando alguma coisa de si mesma em mim. Acho, no fim das contas, que apenas simpatizávamos um com o outro - e isso, certamente, nos bastava.

Sei que outras pessoas estavam mais ou menos presentes nessa ocasião - conversando entre si, próximas de nós, mas sem maiores interações conosco. Nossa conversa, no entanto, era séria, e era exclusivamente nossa: dos demais, lembro senão breves relances, borrões distorcidos de memória, suficientes apenas para indicar os vultos, mas incapazes de fornecer detalhes.

Falávamos sobre profissões. Ela tinha me perguntado o que eu queria ser quando crescesse. Na época, eu tinha comigo que seria um cartógrafo, que viveria de fazer mapas físicos e políticos, desenhar contornos de continentes, determinar latitudes e longitudes. Ela não sabia o que um cartógrafo fazia, ou fez de conta que não sabia, e pediu que eu explicasse. Respondi do modo que pude e ela não pareceu satisfeita.

"Não sei... Acho que tu não vai ser cartógrafo, não".

"Ah, é? E o que tu acha que eu vou ser, então?"

Ela parou e pensou. De todas as coisas, lembro do sorriso em seu rosto. Discreto, nada expansivo, mas sincero. Um sorriso de quem evoca algo dentro de si e, satisfeita com a sensação, deixa escapar seu contentamento sorrindo, sem ao menos percebê-lo completamente. Um sorriso de quem sonha.

Foi então que ela fez a pergunta.

"Tu nunca pensou em ser jornalista?"

A ideia, embora tenha me pego desprevenido, não trazia em si nenhuma carga de absurdo. Sempre gostei de jornais: os lia todos em casa, recortava, recitava trechos em voz alta, guardava algumas páginas. Era capaz de ler as manchetes bem antes de ser devidamente alfabetizado. Às vezes, quando minha mãe estava trabalhando e eu em casa, ligava apenas para avisá-la de alguma notícia em primeira mão. Assistia os jornais televisivos, gostava de comentar notícias, lia trechos das revistas que meus pais assinavam e estava sempre atento ao noticiário, da forma possível para um moleque de menos de onze anos.

No entanto, jamais tinha me ocorrido realmente a ideia de ser jornalista.

"Eu quero ser jornalista", ela me disse, ainda ostentando o sorriso discreto no rosto. "Quando for para a faculdade, quero fazer jornalismo. Acho que tu tem jeito para ser jornalista também".

Fiquei pensando naquilo. Nossas conversas eram assim, do tipo que ofereciam pausas para pensar.

"Mas como é ser jornalista?", perguntei enfim. "O que a gente tem que fazer para ser jornalista?"

"Ah, a gente tem que ser bem-informado, curioso sobre as coisas. Tem que ter espírito questionador. Tu acha que tu tem espírito questionador?"

Eu não fazia a menor ideia do que pudesse ser espírito questionador. Disse isso a ela e pedi que me explicasse.

"Imagina uma casa e tu quer saber como ela é por dentro. O dono da casa não te deixa entrar, mas te diz que as paredes são vermelhas. Se mesmo depois de dizerem que são vermelhas tu ainda quer entrar e ver de que cor são, tu tem espírito questionador. Tu quer ver com os próprios olhos".

Para mim, naquelas circunstâncias, foi uma ótima explicação. Pensei alguns instantes a respeito. Alguém tentou interromper nossa conversa, fazendo algum tipo de menção para que eu fosse embora; a menina com quem eu conversava não deixou que eu sequer cogitasse aceitar a ordem. "Deixa ele", falou, o rosto em seguida voltando-se para me observar em suave expectativa, esperando a minha resposta.

Pensei um pouco mais. Queria ter certeza se de fato ia ficar insatisfeito com a resposta do dono da casa, se ia realmente querer que ele abrisse a porta mesmo assim e me deixasse ver por mim mesmo se as paredes daquela residência eram vermelhas ou brancas, azuis ou cinzentas, com papel de parede ou azulejos, de madeira ou de tijolos.

Tive certeza. E respondi exultante, quase gritando, feliz com a descoberta:

"Sim, eu tenho isso!"

A menina me ouviu, viu meu entusiasmo e sorriu, agora mais abertamente.

"É, eu também tenho", respondeu. "Então, tu pode ser um jornalista, que nem eu quero ser".

"Posso", disse eu, orgulhoso de mim mesmo. E ficamos os dois ali, sorrindo um para o outro, naquela manhã de sol que ficou para sempre dentro de mim.

O que aconteceu com ela, creio que jamais saberei. Despedi-me dela pouco depois, quando minha mãe me chamou para ir embora - aquela despedida típica de criança, pouco mais que um grito antes de sair correndo para longe. Posso estar enganado, a memória romantiza algumas coisas e dramatiza outras, mas tenho a impressão de que aquela foi a última vez que nos falamos. O bimestre acabou, com ele o ano letivo, a moça bonita de cabelos cor de terra e bermuda jeans foi para outro colégio e sabe Deus o que foi feito dela. Não recordo nem mesmo o seu nome: lembro que era composto, ou tenho a impressão de que fosse um nome composto, mas dificilmente conseguiria me lembrar qual fosse, mesmo que me esforçasse muito. Como disse antes, o tempo se move de forma peculiar quando se é uma criança: quando dizemos tchau nunca é um adeus, e o nunca mais sempre parece reversível. No entanto, a menina que, antes de todos, recomendou-me que eu tentasse ser jornalista dobrou a esquina da minha vida e foi-se em definitivo, para não mais voltar.

Por algum motivo, não consigo acreditar que ela tenha sequer cursado Jornalismo, que dirá ingressado de fato na profissão. Me parece mais provável que tenha, como tantos outros alunos e alunas daquela humilde escola de classe média-baixa, desviado do rumo de seus sonhos em algum ponto do caminho. Não é, no fim das contas, o que acontece com a maioria de nós? É difícil, de qualquer modo, imaginar o que tenha sido feito dela - se tem filhos, um marido, um emprego, uma casa. Para mim, ela ainda tem quatorze anos, ainda prende o cabelo logo abaixo da nuca, ainda usa tênis brancos e senta em um banco de pedra da Escola Estadual Visconde do Rio Grande, Praça Aratiba, sem número, para conversar com um moleque de dez anos sobre o que ambos pretendem fazer de seu futuro.

Espero, de qualquer modo, que esteja bem. Que, realizado ou não seu sonho profissional de oitava série, sinta-se feliz com o rumo que sua vida tomou. E ao mesmo tempo surge dentro de mim, que fiz o ensino médio e entrei na faculdade e hoje sou jornalista formado trabalhando em site de notícias e muito satisfeito com isso, uma sensação que mistura gratidão e responsabilidade. Sou, de certo modo, herdeiro do sonho daquela moça; talvez tenha restado a mim a chance de concretizar aquela conversa, de mostrar que às vezes a gente sonha algo e esse sonho pode, de algum modo que ninguém jamais consegue prever, virar realidade.

As chances são de que nunca mais nos vejamos. Mas, se eu a encontrasse hoje - ou melhor, se eu pudesse voltar no tempo e sentar de novo naquele banco de pedra áspera da Praça Aratiba, sem número, local onde até hoje se ergue a Escola Estadual Visconde do Rio Grande - eu a agradeceria por ter me emprestado um pouco do seu sonho, pois ele até hoje tem sido muito útil para mim. E me despediria dela um pouco melhor - dando um abraço talvez, mesmo que rapidamente. Afinal de contas, o amor que surge puro dura para sempre, e as pessoas que amo são sempre alvo do meu melhor abraço.