terça-feira, 23 de julho de 2013

Breve parábola sobre o esquecimento

[caption id="attachment_544" align="alignleft" width="300"]Foto: Monkey Business Images Foto: Monkey Business Images[/caption]

Desceu do ônibus já observando tudo, os olhos sedentos de pessoas, de paisagens, de vida. Há tanto tempo não regressava à cidade! As horas de viagem, cumpridas durante a madrugada, não as pôde dormir: viajou o tempo todo de olhos bem abertos, como que tentando devorar com os olhos cada partícula de paisagem que passava pela moldura da janela. Cada árvore, cada folhagem. Tentando enxergar as cores em meio à escuridão da noite sem lua.

Andou pela rodoviária com passos contidos: queria correr, mas a inconveniência do gesto parecia clara e conteve-se. Foi andando devagar entre as poucas lancherias e lojinhas abertas àquela hora da manhã, olhando cada produto como se fosse único, como se apenas ali pudesse ser encontrado. Sorria para os vendedores; sonolentos e um pouco confusos, nenhum deles retribuiu.

Não quis tomar um táxi. Resolveu ir caminhando, observando a cidade, saboreando-a. Desceu lentamente pelas ruas próximas, buscando reconhecimento nos detalhes. Nas lâmpadas cinzas que pediam limpeza. Nos ladrilhos um pouco soltos e nas calçadas de pedras descontínuas. Nos botecos e lancherias que recém abriam para receber os clientes erráticos da manhã. Nas praças cercadas de telas metálicas, de árvores sem folhas e pássaros que não cantavam. Nos bancos de praça vazios. Nas vozes que não se faziam ouvir.

Caminhou longamente, e não sentiu-se em paz.

Sentou em uma praça, levemente cansado e um tanto confuso. Seu entusiasmo da chegada havia sido substituído por uma preocupação difusa, e procurava dar sentido às sensações estranhas que passavam velozes pela sua mente. O que estava havendo? Tanto havia amado e sido feliz naquela cidade, tantos sorrisos havia recebido, tantas vezes havia cruzado aquelas ruas com o sentimento inexplicável e inequívoco de estar no lugar certo, na cidade certa. Verdade que tinha se ausentado por um período razoavelmente longo, mas ainda era o mesmo lugar, ainda reconhecia a si mesmo naquelas ruas. Não era problema dos olhos que observavam; parecia antes um problema de quem recebia aquele olhar.

Foi quando a compreensão veio, veloz e implacável, sem espaço para trégua ou compaixão. Foi alvejado por ela de tal forma que chegou a perder o fôlego, a sentir o corpo tremer, uma sensação áspera e com gosto de doença subindo lentamente pela garganta.

Era horrível, mas era verdade.

A cidade não lembrava mais dele.

Tomou o primeiro táxi e foi direto à rodoviária.